quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

É o choque de civilizações?


Atentados do 11 de Setembro nos Estados Unidos. Responsáveis: terroristas islâmicos.
Atentados aos trens de Madri. Responsáveis: terroristas islâmicos.
Atentados ao metrô e a ônibus de Londres. Responsáveis: terroristas islâmicos.
Atentado ao jornal satírico "Charlie Hebdo" em Paris. Os autores gritaram que estavam "vingando o profeta", alusão à publicação de charges de Maomé e a sucessivas outras edições que radicais muçulmanos acharam ofensivas.
Ou seja, por trás de todos os atentados de grande repercussão no Ocidente estão fanáticos muçulmanos.
Culpa do Corão, então? Não, responde, por exemplo, Reza Aslan, escritor iraniano-americano, pesquisador de estudos religiosos: "A noção de que há uma correlação direta entre crenças religiosas e comportamento pode parecer óbvia e autoevidente para aqueles não familiarizados com o estudo da religião. Mas [a correlação] tem sido menosprezada por cientistas sociais que notam que crenças não explicam comportamento e que o comportamento é, na verdade, o resultado de complexas interações entre uma série de fatores sociais, políticos, culturais, éticos, emocionais e, sim, religiosos".
O que complica tremendamente a equação é que quase todos esses fatores atuam mais ou menos simultaneamente sobre as comunidades muçulmanas radicadas na Europa.
E delas saíram os terroristas responsáveis pelos atentados anteriores aos desta quarta em Paris, mesmo os do 11 de Setembro, que viveram e se prepararam na Alemanha.
É o terrorismo "home grown", feito em casa, em tradução livre.
São comunidades que se sentem marginalizadas social, política e culturalmente. E é óbvio que só podem se sentir emocionalmente tocadas quando veem desabrochar com força movimentos islamófobos como o Pegida (acrônimo em alemão para Patriotas Europeus contra a Islamização da Europa).
A propósito: não deve ser mera coincidência que a barbárie contra o "Charlie Hebdo" tenha ocorrido no momento em que está sendo lançado o livro "Submissão", em que o polêmico escritor Michel Houellebecq descreve a eleição de um muçulmano como presidente da França em 2022 e todo o cortejo de "submissões" que se segue.
Os radicais islâmicos e os islamófobos europeus acabam se alimentando mutuamente.
O atentado ao jornal satírico faz Noureddine Bouzian, correspondente em Paris da Al Jazeera, prever que "os próximos dias serão muito duros para os muçulmanos na França, especialmente se a extrema direita entrar em ação".
Faz também Philip Johnston, editor-assistente de Opinião do britânico "Daily Telegraph", reconhecer que "atitudes anti-islâmicas começam a se mover da extrema direita mais para dentro da corrente principal do descontentamento popular".
Para azar de todos, parece estar se tornando realidade a profecia do choque de civilizações, lançada pelo cientista político Samuel P. Huntington, segundo quem as identidades culturais e religiosas seriam a principal fonte de conflito no mundo contemporâneo.


Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo

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