Governo peruano cria regime profissional especial para os jovens de 18 a 24 anos
Enrolada em uma bandeira vermelha e branca, cores do Peru, Maria Maurício não esconde sua indignação. "O governo quer agradar as grandes empresas às custas dos jovens trabalhadores, tirando direitos pelos quais nossos pais lutaram no passado", se revolta a estudante de 22 anos.
Assim como ela, milhares de pessoas protestaram em Lima, na quinta-feira (15), e grandes manifestações ocorreram nas principais cidades do país contra uma lei que cria um regime profissional especial para os jovens de 18 a 24 anos. Pacífica em um primeiro momento, a manifestação, que se estendeu noite adentro, deu lugar a confrontos entre manifestantes e as forças policiais mobilizadas pela capital. Segundo as autoridades, 20 pessoas teriam sido detidas.
Desde que foi promulgada pelo presidente Ollanta Humala no dia 16 de dezembro de 2014, a lei que busca "promover o acesso dos jovens ao mercado de trabalho e à proteção social", reduzindo os encargos do empregador, tem sido muito criticada por vários movimentos estudantis. "Segundo a lei, o jovem não tem mais direito aos dois meses de salário extra por ano que o restante dos trabalhadores recebe, ele só tem 15 dias de férias em vez de 30 e também não tem mais direito ao abono familiar", critica Victoria Chauca, estudante de 26 anos que participou de todas as manifestações contra a nova lei.
É a quarta vez que os jovens se mobilizam em menos de um mês, e o movimento não enfraquece, apesar das férias escolares de verão. Muitos sindicatos de trabalhadores e também movimentos de todos os gêneros se uniram, na quinta-feira, aos jovens que surpreenderam pelo seu número no dia 18 de dezembro, durante a primeira manifestação convocada pelas redes sociais. Na quinta-feira, muitos deles contaram que estavam saindo às ruas pela primeira vez.
"Essa lei nos afeta diretamente", afirma Frank Nuñes, de 17 anos. Ele veio do distante distrito de San Juan de Lurigancho, pois acha "totalmente injusta" a ideia de ganhar menos que um trabalhador mais velho, como propõe a lei. "É a quarta vez que as pessoas se mobilizam contra essa lei. O que o governo está esperando para acabar com ela?", pergunta Monica Huaman, estudante de 24 anos da Universidade San Marcos de Lima.
"Flexibilizar a legislação trabalhista"
O governo repetiu que não anulará essa lei. No dia 8 de janeiro, foi publicado o regulamento, que pode ser debatido durante 30 dias antes de entrar em vigor. "O regulamento pode ser melhorado, mas ele não vai mudar a lei", decidiu Ollanta Humala, convicto de que essa medida permitirá que os jovens peruanos tenham acesso a mais oportunidades profissionais. "Essa lei se destina à grande maioria dos jovens que não têm trabalho", afirma o chefe do Estado. Segundo o ministro do Trabalho, Fredy Otárola, "no total, 1,8 milhão de jovens peruanos estão sem emprego ou subempregados".
"No Peru, o problema não é necessariamente o desemprego, mas a enorme informalidade que atinge a grande maioria dos jovens", diz Otárola. Calcula-se que 74% da população ativa peruana pratique uma atividade informal, sem contrato de trabalho, ou seja, 826 mil jovens de 18 a 24 anos. "Se eles ficam doentes, são mandados embora. Eles não têm segurança social e frequentemente trabalham mais do que oito horas por dia, sem folga. E essa é a realidade", afirma o ministro.
"A grande maioria dos jovens hoje não tem direito algum... o que está sendo tirado deles?", ele questiona, enumerando aquilo que um jovem ganharia ao ingressar no sistema formal graças à nova lei: "O acesso à seguridade social (que o Estado pagará durante um ano), férias garantidas, o respeito ao salário mínimo..." Além disso, o governo argumenta que a lei obriga o empresário a financiar uma capacitação para o jovem, relacionada com seus estudos ou seu trabalho. Em contrapartida, ele obtém vantagens fiscais.
"Essa lei provavelmente não é perfeita, mas ela vai na direção certa ao buscar a flexibilização da legislação trabalhista no Peru, que é rígida demais", acredita Cesar Peñaranda, diretor do instituto de economia e desenvolvimento das empresas da Câmara de Comércio de Lima, que critica o custo excessivamente elevado da mão de obra no país.
"Se o governo quer combater a informalidade, ele não conseguirá isso através dessa lei", alega o ex-ministro do Trabalho Javier Neves, que lembra que a imensa maioria das empresas peruanas é de microempresas, que já se beneficiam de um regime especial. "Para elas, os encargos trabalhistas são muito pequenos (5%), então elas não terão motivo para se sujeitar a esse novo regime que reduz os custos a 14,4%. Essa lei beneficiará sobretudo as médias e grandes empresas (54% de encargos), que empregam pouco", diz Neves, que aproveita para ressaltar que a redução dos encargos aplicada nos anos 2000 às microempresas não ajudou a formalizar o emprego, uma vez que 80% delas não declaram seus funcionários.
"A experiência peruana nos mostra que reduzir os direitos dos trabalhadores só leva a uma precarização do emprego", acredita o ex-ministro, que defende abolir a lei, que será alvo de um novo debate no dia 28 de janeiro, dentro da comissão permanente do Congresso, que poderia decidir anulá-la.
Texto de Chrystelle Barbier, para o Le Monde, reproduzido no UOL.
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