O programa de maior audiência da televisão cubana é uma comédia de costumes da atualidade, de meia hora de duração, que vai ao ar nas noites de segunda-feira no mais importante dos cinco canais que existem na ilha.
Seu título é "Vivir del cuento" (viver de brisa), e seus protagonistas são um idoso aposentado chamado Pánfilo e um músico de meia-idade, sem trabalho ou sorte, que atende pelo apelido de Chequera (talão de cheques).
Toda semana, Pánfilo e Chequera têm uma aventura que, entre piadas e ironias, mostra alguma das vicissitudes do cotidiano de muitos cubanos, em especial dos que chegaram à terceira idade.
A casa de Pánfilo, num bairro de Havana, costuma ser o cenário principal do conflito, que, nuançado por certos detalhes de absurdo, coloca os protagonistas em situações que geralmente fogem de seu controle e das quais em algumas ocasiões eles saem com alguma satisfação e, de muitas outras, derrotados em seus esforços para melhorar suas vidas ou realizar seus sonhos, por pequenos que estes sejam.
O principal problema que enfrentam os personagens simpáticos e prototípicos costuma estar ligado às carências que os perseguem.
A vida de Pánfilo e Chequera se complica porque eles não têm as roupas de que necessitam (com seu andar característico, Pánfilo se arrasta em chinelos velhos), os meios para consertar suas casas ou aparelhos domésticos e, sobretudo, porque a comida que conseguem comprar a preços subsidiados com o cartão de racionamento não basta.
E tudo isso porque o dinheiro que recebem como aposentados é insuficiente para viver. Eles só têm um alívio (convenientemente complicado pelo roteirista) quando recebem algum valor em dólares enviado por uma quase sobrinha que foi ao Taiti para tentar a sorte como atriz... e, aparentemente, a encontrou --isso mesmo, no Taiti...-- ou quando sonham, como em um capítulo antológico em que os dois se convertem em turistas em um hotel onde tudo está incluído nas despesas e eles podem comer até não mais poder.
Para sobreviver, Pánfilo e Chequera, como quase todos os outros personagens do programa, buscam alternativas picarescas, muitas vezes tiradas da realidade mais cotidiana do país. Como a de montar uma piscina num salão da casa, converter-se em inventores de alimentos, receber visitantes vindos do exterior. Outros personagens traficam madeira, autopeças, objetos falsificados e até água.
Em tom de comédia, os realizadores do programa na realidade narram uma tragédia: a de milhares de cubanos cujos salários e aposentadorias não são suficientes para satisfazer necessidades básicas.
Enquanto isso, os milhões de telespectadores que acompanham suas aventuras se veem mais ou menos refletidos nos avatares de Pánfilo e Chequera, fazendo uma catarse por meio do riso e da cumplicidade com a crítica, uma atitude muito própria dos cubanos.
E vão para a cama na noite de segunda com esse alívio, que de alguma forma os ajuda a enfrentar um novo dia, uma nova aventura, talvez muito semelhante à vivida por Pánfilo e Chequera.
Texto de Leonardo Padura, publicado na Folha de São Paulo.
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