Depois da tragédia, a farsa. Semana passada, foi melancólico ver a junta econômica assumir o poder em Brasília. Dilma Rousseff, como se fosse uma futura rainha da Inglaterra, ficou confinada em algum cômodo de Buckingham, enquanto o primeiro ministro, ladeado pelos auxiliares principais, anunciava o programa do próximo período em solenidade britanicamente fria.
Mas nesta semana, para compensar, fomos brindados com lances engraçados no palco bem mais animado do Congresso. Durante duas noites e uma madrugada atores de variado tipo se dispuseram a encenar, na forma de comédia, uma espécie de último ato do mandato que se encerra. O entrecho girou ao redor do projeto de lei número 36, que altera a meta fiscal de 2014.
Desavisados defensores do antigo regime afirmavam que a aprovação do mesmo garantiria mais investimentos no velho Programa de Aceleração do Crescimento, símbolo da ordem deposta. Enquanto isso o público todo, num truque típico de peça infantil, avisava que numa sala do terceiro andar do Planalto mãos de tesoura afiavam as lâminas para decapitar o PAC.
Em outro esquete interessante, velhos combatentes pela democracia ameaçavam a ocupante da cadeira presidencial com o crime de responsabilidade. Flertavam com a tese do golpe branco na forma de impeachment. Seria trágico, não fosse cômico, ver a caricata indignação moral encarnada em políticos de extração realista demais para acreditar nela. O que diria Tancredo?
Entre um e outro polo, os comandantes do PMDB pareciam menos envolvidos no propósito "amusant" do espetáculo. Com a faca e o queijo na mão, preocupavam-se em arrancar novos nacos da rainha, que continua a reinar sobre valiosos cargos estatais. Depois, quando os malfeitos vierem à tona, vossa majestade será responsabilizada.
Por fim, na qualidade de coadjuvantes elevados à condição de personagens principais, esteve presente uma trupe variada. Mulheres de classe média se fizeram arrancar à força das galerias do Parlamento, na tentativa de criar clima de revolta popular. Um roqueiro de tempos idos assumiu a liderança da Nova Banda de Música da UDN, buscando dar tom jovem ao protesto.
No fecho da pantomima, o resultado previsto: a emenda foi aprovada em torno das 4h. Mas não se preocupem os que acham entediante acompanhar a normalidade institucional. Como não houve quorum para votar todos os destaques, marcou-se nova sessão para terça que vem.
P. S. Enquanto nos distraíamos com a gritaria no Parlamento, o BC aproveitou e elevou a taxa de juros em mais 0,5 ponto percentual. Disso ainda lembraremos daqui a um ano.
Texto de André Singer, na Folha de São Paulo.
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