A estagnação tem aguçado o conflito distributivo gerado pela inclusão social. Com isso, muitas manifestações conservadoras ganham traços caricatos. Contudo, é proveitoso reconhecer que o conservadorismo brasileiro tem em geral se sofisticado.
Uma de suas expressões modernas é que o crescimento precisa ser "equilibrado". Em particular, é difundida a tese de que a inflação é tudo o que importa. Toda inflação seria sempre ruim, principalmente --e este é o pulo do gato-- para os mais pobres.
Porém, se os preços sobem porque os salários se elevaram mais que a produtividade, a desigualdade é reduzida e isso é bom para os mais pobres. Trata-se de um ajuste de preços relativos, normal em economias de mercado. A distribuição gera crescimento, que é a principal alavanca da produtividade.
Se o câmbio se deprecia porque o juro alto foi reduzido, há inflação de custos. Tentar contrabalançá-la por inteiro com a redução dos demais preços exige forte ajuste fiscal e reversão da queda do juro, levando à recessão e à concentração de renda.
Outro sintoma da crença num crescimento "equilibrado" ou "com qualidade" é que a bandeira ambiental, originalmente progressista, foi apropriada pelos conservadores.
O que está em jogo no Brasil é a superação do conservadorismo atávico. Em sua raiz estão uma elite sem identificação com o restante da população, concentração de riqueza e de renda e uma estrutura produtiva pouco diversificada e de baixa produtividade.
Como se sabe, a colonização portuguesa foi marcada pela exploração de recursos naturais a partir de um uso sem paralelo da escravidão. Para o Brasil, foram traficados 5 milhões de africanos, mais de dez vezes o ocorrido nos EUA.
A elite não deixou de se atualizar quanto às novidades liberais norte-americanas e europeias. No século 19, a escravidão já era tida como imoral, embora "necessária". No pós-Guerra, a industrialização criou novas atividades e permitiu incluir imigrantes voluntários e seus descendentes. Entretanto, foi feita sem reforma agrária, sem buscar universalizar os serviços públicos, sem visar ao consumo de massa etc.
Não foi desfeita a armadilha da concentração. Ao limitar o mercado, ela foi um entrave ao desenvolvimento, deprimindo o aproveitamento das escalas técnicas e o potencial inovador da indústria nascente. Porém continuou sendo de certa forma útil para garantir a poucos o padrão de consumo que era abrangente nos países centrais.
A redemocratização criou o clima político para começar a mudar tal quadro. Porém, quando nos últimos anos a inclusão social ganhou fôlego, a transição não tem se mostrado fácil numa sociedade partida, cuja elite se acostumou a compensar a carência de bens públicos com a abundância privada de serviçais.
O crescimento econômico tem um papel contraditório. Do ponto de vista das rendas individuais, mitiga as pressões da redução da desigualdade. Mas os primeiros efeitos do crescimento inclusivo são a elevação do consumo popular e o encarecimento dos serviços que a elite estava acostumada a usufruir. A infraestrutura e os serviços públicos demoram a melhorar, sendo em alguns casos sobrecarregados pela inclusão.
É que o crescimento não é um fenômeno de equilíbrio. Ele se dá do jeito que for possível, usando mão de obra pouco qualificada ou técnicas atrasadas, esgotando a infraestrutura existente etc. Os desequilíbrios criados são solucionados pela própria sustentação do crescimento, que gera recursos e oportunidades de investimentos e abre possibilidades de desenvolvimento tecnológico.
A "qualificação" do crescimento significa travá-lo, levando junto a inclusão. A preocupação exagerada com a inflação é uma maneira de tomar como interesse de todos o que é interesse da elite. Isso pode soar cínico e, às vezes, é mesmo. Mas é também uma sofisticação do conservadorismo, que traz mais espaço para mudanças.
Se o interesse coletivo conta, é possível discutir iniciativas internacionalmente aceitas: usar o núcleo da inflação no regime de metas para expurgar choques temporários; adotar períodos mais longos que um ano para seu cumprimento, pois os efeitos da política monetária tendem a ser mais demorados; e deixar de apontar o centro da meta, firmando compromisso só com uma faixa para a inflação, já que mudanças civilizatórias alteram os preços relativos.
A freada à direita pode ser moderada.
Texto de Marcelo Miterhof, na Folha de São Paulo.
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