Uma das imagens mais representativas da ditadura é a que mostra a guerrilheira Dilma Rousseff, aos 22 anos, sendo interrogada na Auditoria Militar do Rio de Janeiro, em 1970. Enquanto ela, após 22 dias sendo torturada, aparece de cabeça erguida, dois de seus interrogadores, vestindo uniformes militares, cobrem os rostos com as mãos, para não ser identificados.
Os ingênuos (ou os cínicos) podem especular que eles temiam por sua segurança. Correriam o risco de ser caçados pelos terríveis comunistas. A hipótese é improvável, já que o registro era oficial e, num tempo de rígida censura à imprensa, quase ninguém o veria. A foto se tornou pública apenas 41 anos depois, descoberta pelo repórter Ricardo Amaral.
Segundo nota divulgada na última segunda-feira pelo Superior Tribunal Militar, a Justiça Militar sempre teve "postura independente, transparente e imparcial (...), evidenciando espírito democrático e respeito à dignidade humana". Deveria, portanto, ser motivo de orgulho participar de uma audiência como aquela.
Talvez a dupla de constrangidos militares soubesse que a teoria dos "dois lados" é uma farsa. A Auditoria estava muito pouco preocupada com os direitos de quem ali chegasse vivo --parte morria na tortura ou era executada. Torturadores e assassinos não eram investigados e ainda ganhavam honrarias. O capitão Benoni de Arruda Albernaz, algoz de Dilma, recebeu 58 elogios oficiais em 27 anos de serviço.
A dupla poderia ter vergonha porque representava o Estado, e este não tem base jurídica (nem mesmo com o AI-5) para seviciar pessoas e sumir com corpos. Os militantes da luta armada não fizeram isso. E, por seus atos, foram condenados na Justiça, no pau de arara e nas covas clandestinas. Dos "dois lados", apenas um continua impune.
Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo.
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