Tocou-me tanto o belo artigo para esta Folha de Nick Papandreou, doutor em Economia por Princeton e filho de Andreas Papandreou, pai do modelo grego de bem-estar social, que resolvi escrever antes de terminada a enésima cúpula europeia sobre a crise grega.
O texto começa com uma pergunta de Phaedra, filha de Nick, 9 anos: "Minha escola de balé estará aberta no ano que vem?", quis saber do pai.
A pergunta -que obviamente remete à formidável crise que devastou a Grécia nos últimos cinco anos - torna obscena a discussão no Eurogrupo.
Obscena porque revela que a Europa, o continente que conseguiu pôr de pé o menos imperfeito dos modelos de sociedade, transformou-se em um clube de contadores, que só se preocupa em fechar as contas, independentemente do custo.
Nick Papandreou, ao contrário, passeia com seu texto pela vida dos gregos, que merece ser preservada ao máximo possível, a começar pela escola de balé de Phaedra.
A linha dura adotada pela Europa tornou triunfante no mundo a versão de que os gregos são a cigarra da fábula, que passa a vida flanando, enquanto a formiga (a Alemanha) dá duro para sustentá-la.
Falso. Primeiro, porque estudo sobre o mercado de trabalho divulgado na semana passada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostra que os gregos são os europeus que trabalham mais horas.
Trabalham, aliás, 671 horas/ano a mais que os alemães.
Falso também porque os bancos alemães encheram as burras emprestando dinheiro para a Grécia desde que foi lançado o euro, o que levou a juros baixos, fatal ímã para tomadores de dinheiro.
Falso também porque, nos anos de bonança, a Alemanha teve um saldo formidável na balança comercial com a Grécia.
Quando veio a crise, quem empobreceu foram os gregos. Recente boletim do Instituto Helênico de Estatística mostra que quase 4 milhões (ou um em cada três gregos) vivia, em 2013, na pobreza ou corria risco de exclusão social.
(A linha de pobreza do instituto é de € 4.068 por pessoa/ano, completamente diferente da adotada pelo Pew Research Center, tema da coluna de domingo, 12).
Ante tamanha devastação social, é óbvio que Alexis Tsipras tinha que resistir, até o último limite, à imposição de novas medidas de austeridade.
Não se tratava de salvar a escola de balé de Phaedra, mas a possibilidade de sobreviver o mais dignamente possível para ponderável fatia dos gregos.
É bom ressaltar, no entanto, que a escola de balé de Phaedra não é um supérfluo dispensável. Faz parte de um modelo de vida que não pode se limitar apenas a fechar as contas públicas, sob pena de se tornar obscenamente medíocre.
Não aceitar o pacote que Tsipras apresentou a seus pares significaria empurrar a Grécia para fora do euro ou, como propôs o ministro alemão de Economia, suspendê-la por cinco anos.
Rebate o presidente francês, François Hollande: "Se a Grécia não estiver mais na eurozona, será uma Europa que não avança mais".
Pior: será uma Europa que trai a sua essência.
Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
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