Hotel Four Seasons de Beverly Hills. Em Los Angeles, bacana que é bacana já se hospedou ali. Se não se hospedou, pelo menos fez alguma refeição no restaurante italiano do térreo, o Culina. Ou nadou na longa piscina, pedalou na academia ao ar livre, sussurrou segredos ao ouvido de outro bacana em algum dos amplos salões.
No Four Seasons também acontecem muitos encontros dos executivos mais poderosos do entretenimento. Como em 24 de fevereiro de 2000, um dia depois da entrega dos prêmios Grammy.
Numa sala reservada, altos dirigentes de gravadoras se reúnem para uma demonstração. A então presidente da associação da indústria fonográfica, Hillary Rosen, está lá, junto com um computador plugado na internet. Ela convoca os chefões a dizer o nome de uma canção --de preferência bem obscura, daquelas enterradas no final de um álbum que ninguém comprou.
Os homens vão falando. Mais de 20 músicas. E, em todos os casos, em questão de segundos, a turma que opera o computador encontra a canção disponível na rede. De graça.
Foi um divisor de águas. As gravadoras viviam a euforia de seu ano mais lucrativo de todos os tempos. Mas, finalmente, começavam a entender que seu modelo de negócios estava ruindo. Agora, a música era grátis.
Esse nascer de uma nova era está retratado em um livro excelente, recém-lançado nos EUA e na Inglaterra: "How Music Got Free: The End of an Industry, the Turn of the Century, and the Patient Zero of Piracy" (como a música ficou grátis: o fim de uma indústria, a virada do século e o paciente zero da pirataria). O autor é o jornalista Stephen Witt, 35, do Brooklyn (claro).
Em um estilo bastante na moda, a narrativa se divide em três eixos:
1) O dos nerds alemães, engenheiros de altíssimo nível, que inventaram o formato MP3 em um instituto federal de pesquisas;
2) O da indústria da música, personificada em Doug Morris, presidente da Universal Music;
3) O dos piratas, com foco em Dell Glover, operário de uma fábrica de CDs na Carolina do Norte, que roubava os discos muito antes de serem lançados e os "subia" para a internet.
O que poderia ser um relato tedioso, cheio de jargões só para entendidos, torna-se uma história arrebatadora nas mãos de Stephen Witt.
O livro começa na Alemanha, onde um grupo de engenheiros acústicos geniais nutre o mais profundo desprezo pelo CD. Para eles, usar um para armazenar música é como injetar morfina para tratar uma leve dor de cabeça. Excessivo, sem sentido.
Décadas de estudo em psicoacústica tinham provado que, com 12 vezes menos dados do que em um CD, era possível arquivar música digitalmente, com a mesma qualidade. Bastava usar truques matemáticos, na programação, para "enganar" o cérebro.
Witt conta os anos de ralação dos alemães, tentando convencer o mundo de que seu formato de áudio, o MP3, era o melhor. Quando estavam quase desistindo, no final dos ano 1990, surgiu o Napster, primeiro programa de sucesso para troca de música na web. O Napster e o MP3 pareciam nascidos um para o outro. Os alemães tinham vencido.
Stepehen Witt também traça um retrato preciso do executivo veterano Doug Morris. Como todos os dirigentes de gravadoras, surfando nos lucros inéditos dos anos 1990/2000, Morris foi incapaz de antecipar o estrago que seria causado pela troca de arquivos de MP3. Quando acordou, a lama já lhe entrava pelo nariz.
Mas o protagonista de "How Music Got Free" é Dell Glover, um funcionário de uma fábrica de CDs no interior profundo dos EUA. Desde sempre, Glover foi fanático por computadores. Quando a internet chegou, lá estava ele, obsessivamente on-line.
Não era tão difícil roubar os CDs da fábrica. Seu jeito favorito era esconder o disco atrás da fivela do cinto --gigante, como ditava a moda caipira do local. Se o detector da segurança disparasse, bastava dizer que era por causa da megafivela. Nunca ninguém conferiu.
Detalhe: Glover e seu parceiros não lucravam nada com a música. Faziam só pela adrenalina.
Há muito tempo eu não aprendia tanto, e com tanto prazer, em um único livro. "How Music Got Free" é leitura essencial para quem busca entender nossos novos tempos digitais.
Texto de Álvaro Pereira Júnior, na Folha de São Paulo.
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