domingo, 12 de julho de 2015

Ministra da Cultura de Israel veta verba a quem critica governo

Ministra da Cultura de Israel veta verba a quem critica governo

Popular e ultranacionalista, Miri Regev, no cargo desde maio, cortou fundos para peça e ameaçou grupo infantil
Ex-porta-voz militar troca críticas públicas com classe artística, a qual chama de 'ingrata, enjoada e hipócrita'
DANIELA KRESCHCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TEL AVIV

Vaias ecoaram na abertura do Festival de Cinema de Jerusalém na quinta-feira (9), em um parque ao lado das muralhas da Cidade Velha. O alvo era a ministra da Cultura e do Esporte de Israel, Miri Regev, do partido Likud.
A ultranacionalista Regev, 50, não para de trocar farpas com os artistas desde que assumiu a pasta, em maio.
Ex-porta-voz do Exército israelense que entrou para a política em 2008 para se tornar um dos expoentes do partido hoje no governo, a ministra tomou posse ameaçando suspender verbas públicas a artistas ou grupos que critiquem Israel ou se recusem a se apresentar em colônias na Cisjordânia ocupada.
Uma de suas primeiras ações foi congelar o financiamento ao teatro árabe-israelense Al-Midan, de Haifa, por causa da montagem da peça "O Tempo Paralelo", sobre um palestino que assassinou um soldado israelense.
Ela também pressionou a direção do Festival de Cinema de Jerusalém a retirar da mostra oficial o documentário "Além do Medo", sobre o colono judeu Yigal Amir, que assassinou o ex-premiê Yitzhak Rabin, em 1995.
Por fim, ameaçou cortar verbas para o grupo teatral infantil Elmina porque seu diretor, o árabe-israelense Norma Issa, disse que boicotaria uma apresentação em uma colônia da Cisjordânia.

'EU DECIDO'"

As medidas contrariaram boa parte da classe artística, identificada com a esquerda e preocupada com os rumos do novo governo do premiê Binyamin Netanyahu, formado apenas por partidos de direita e extrema direita.
"O governo não precisa apoiar a cultura. Eu posso decidir para onde o dinheiro vai. Os artistas não vão ditar isso", disse Regev num evento.
"Nós (Likud) recebemos 30 cadeiras; vocês, só 20", afirmou a ministra aludindo à divisão das 120 vagas no Knesset (o Parlamento de Israel), onde o segundo colocado, a sigla de esquerda Campo Sionista, tem 24 assentos.
"Impor uma cultura condescendente sempre foi característica de regimes despóticos que buscaram subverter a liberdade artística para transmitir mensagens nacionalistas e, por vezes, racistas", criticou o jornal israelense "Haaretz" em editorial.
Outras críticas e abaixo-assinados não demoraram.
"Imagino que seu mundo seja silencioso, sem livros, música ou poemas. Um mundo no qual ninguém a incomode e ninguém impeça a nação de celebrar 30 cadeiras, que serão seguidas por um rebanho de ruminantes", discursou o ator Oded Kotler.
Regev, casada e mãe de três filhos, não é nova na criação de polêmicas. A filha de imigrantes marroquinos já chamou clandestinos africanos em Israel de "câncer".
Segundo jornalistas locais, seu estilo espalhafatoso não agrada a Netanyahu.
Mas a ministra é popular no Likud, sobretudo entre judeus originários de países árabes (mizrahim), que se sentem oprimidos pelos ashkenazim, oriundos da Europa e dominantes na cena política e cultural.
Como aceno por trégua, alguns artistas aceitaram se encontrar com Regev. Na ocasião, o presidente do sindicato dos atores de Israel, Ohad Knoller, indagou o que seria permitido escrever, afinal, para obter financiamento público. Sem entender a ironia, Regev disse que os critérios seriam divulgados em breve.
Em entrevista a uma revista feminina, Regev desdenhou sua pasta, dizendo que queria a do Bem-Estar Social: "Eu sabia que o mundo da cultura era ingrato. Não tenho vontade de trabalhar para essa gente enjoada e hipócrita, que pensa saber tudo".


Reprodução da Folha de São Paulo

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