quinta-feira, 30 de julho de 2015

Indignação seletiva


Nesta quarta, a executiva Carla Zambelli, 35, passou em um cartório da rua Augusta antes de seguir para o trabalho. Foi autenticar sua assinatura em um pedido de impeachment de Dilma Rousseff.
Carla lidera o movimento Nas Ruas, que tem 25 mil seguidores no Facebook. Ela se diz indignada com a corrupção e defende a derrubada da presidente, que foi reeleita há nove meses com 54.501.118 votos.
Depois de uma rápida troca de e-mails, liguei para saber por que ela não quer esperar a eleição de 2018. "Vejo o governo como uma empresa. Se o gestor vai bem, continua. Se vai mal, tem que ser demitido", disse.
Argumentei que a Constituição brasileira não prevê o "recall", que permitiria tirar políticos do poder a qualquer momento, e que o mandato presidencial tem duração fixa de quatro anos. Carla não se convenceu. "A confiança na Dilma tá cada vez menor. Então tudo tem que começar pelo impeachment, entendeu?".
A petição do Nas Ruas é uma das 11 que tramitam na Câmara com o mesmo teor. Todas estavam arquivadas. O deputado Eduardo Cunha decidiu tirá-las da gaveta há duas semanas, após ser acusado de embolsar US$ 5 milhões no petrolão.
Carla aproveitou para mudar de estratégia. Há três meses, ela pedia o impeachment por causa da Lava Jato. Agora seu argumento é outro: a pedalada fiscal. "Talvez não fique provado que ela tinha responsabilidade na Petrobras. Então a gente adicionou mais fatos", justificou.
A ativista se disse ansiosa pelas manifestações do dia 16. Perguntei se ela também vai protestar contra Cunha. "Não vou", respondeu. "O impeachment está na mão dele. Então eu prefiro protestar contra a Dilma."
Depois dessa, perguntei se ela não temia ser acusada de indignação seletiva com a corrupção. "Eu não vejo isso como hipocrisia", disse, sem que eu mencionasse a palavra. "O Cunha é contra o governo. Se eu fosse ele, votava logo o impeachment para mostrar que estou do lado certo." 


Texto de Bernardo Mello Franco na Folha de São Paulo

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