O resultado das eleições do dia 7 no Reino Unido permite um balanço, a meu ver negativo, a respeito do voto distrital puro, esse que já está aprovado no Senado para eleições de vereadores no Brasil em cidades com mais de 200 mil habitantes. O sistema provoca uma formidável distorção, como se vê nos resultados britânicos.
Comecemos pela vitória do Partido Conservador (ou Tory, no jargão local): teve apenas 37% dos votos (exatamente 36,9%), mas ficou com 51% das cadeiras no Parlamento.
Tudo porque não há, como a Folha já explicou no sábado (9), uma eleição nacional, mas 650 eleições distritais.
Quem ganha em cada distrito, qualquer que seja a porcentagem de votos obtida, vai para Westminster, o palácio patrimônio cultural da humanidade que abriga o Parlamento.
De certa forma, importam menos as posições nacionais de cada partido e mais a qualidade dos candidatos distritais.
Essa característica aparece claramente no caso do Ukip (Partido pela Independência do Reino Unido, nacionalista e favorável à saída do país da União Europeia): graças a essa posição, o Ukip levou 12,6% dos votos, mas, como não tinha candidatos distritais competitivos, ficou com apenas um parlamentar (ou 0,15% do total).
O então líder do Ukip, Nigel Farage, que renunciou após perder seu próprio assento, lamentou essa desproporção, comparando-a com a situação dos nacionalistas escoceses (o SNP ou Partido Nacional Escocês), que, com 4,7% dos votos, elegeram 56 parlamentares (8,61% do total).
A distorção prejudica até as lições que cada partido pode tirar da votação. Os conservadores estão eufóricos com a vitória, proclamando que foi uma consagração de suas políticas.
É apenas parcialmente verdade. Em porcentagem de votos, os "tories" tiveram só 0,8 ponto percentual a mais do que no pleito anterior (2010). Os fracassados trabalhistas cresceram mais (1,2 ponto percentual). Parece evidente que a evolução dos conservadores em assentos no Parlamento (24 a mais) se deve principalmente a bons candidatos nos distritos.
Da mesma forma, os trabalhistas, que cresceram em votos, mas perderam em cadeiras (menos 26 em relação a 2010), foram vítimas não de um repúdio nacional mas, acima de tudo, de uma derrocada fenomenal na Escócia, esmagados pelos nacionalistas.
Bem feitas as contas, tem-se que praticamente dois terços dos eleitores britânicos preferiram outra opção que não os vitoriosos conservadores.
A distorção na distribuição de cadeiras, favorecida pelo voto distrital puro, embaça esse fato e dispensa os "tories" de reexaminar suas políticas. Afinal elas não têm o apoio da maioria dos eleitores, embora tenham a maioria das cadeiras no Parlamento.
Você aí, favorável ao distrital puro (não dá para examinar o distrital misto), pode dizer que, se o sistema funciona para o Reino Unido, das mais estáveis democracias do mundo, é porque é bom.
Mas o Brasil, mais passional e menos estável, conviveria bem com tais distorções?
Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
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