A última viagem
Em livro sobre o que diz ser sua derradeira jornada africana, Paul Theroux fala do medo da morte e de seus preconceitos
Enquanto viajava da Cidade do Cabo, na África do Sul, a Timbuktu, no Mali, Paul Theroux lidou com um pensamento incômodo. Era a crença de que não poderia retornar para casa. Ele sentiu estar "partindo para sofrer e morrer".
Na ocasião, veio-lhe à mente "Whispers of Immortality", um poema de T.S. Eliot. O viajante, comparou-se Theroux, torna-se obcecado pela morte e a cada manhã vê no espelho a caveira sob a pele.
Os efeitos da velhice e o receio da morte são temas recorrentes em "O Último Trem para a Zona Verde: Meu Derradeiro Safári Africano" (Objetiva), seu livro de não-ficção mais recente, publicado originalmente em 2013 e que chega agora ao Brasil.
Dez anos depois de viajar por terra do Cairo à Cidade do Cabo, experiência relatada em "O Safári da Estrela Negra", Theroux, 74, buscou "a simetria da aventura", mas agora "pelo lado esquerdo do continente", indo do Sul para o Norte (veja mapa ao lado).
A sua jornada findou antes do previsto, perto da fronteira entre Angola e Congo. "Parte da minha viagem foi prazerosa, mas, passados alguns meses, eu pensei: 'O que estou fazendo aqui?'", contou Theroux à Folha.
O premiado escritor de viagens afirma não ter se frustrado. "Foi uma decisão prudente", conta. "Logo depois de desistir do meu plano de ir à Nigéria, os terroristas do Boko Haram ocuparam o nordeste do país."
Autor de clássicos como "O Grande Bazar Ferroviário" e "A Costa do Mosquito" --este adaptado ao cinema--, Theroux visitou a África pela primeira vez há mais de 50 anos, quando o continente lutava contra o colonialismo.
Voluntário do Corpo da Paz, ele causou polêmica com sua atuação política. Em 1964, foi expulso do Malaui por ter colaborado com a fuga de um oponente do primeiro-ministro Hastings Banda.
Hoje, a sua esperança se esgotou. "Cinquenta anos atrás sentia que as pessoas na África estavam otimistas e dispostas a trabalhar pelos seus países." Mas ditadores locais corruptos sucederam os colonizadores. "Espera-se agora que as ONGs e os forasteiros resolvam os problemas de saúde e educação com medidas de curto prazo."
Theroux repete no livro suas críticas à atuação filantrópica de celebridades e instituições estrangeiras. Diferentes resenhistas trataram essa perspectiva como antiquada e superficial.
Em "O Último Trem para a Zona Verde", ele desaprova o turismo de favelas na África do Sul e a assimilação urbana dos Ju/'hoansi na Namíbia.
Descreve Luanda, a capital de Angola, como "uma zona de irracionalidade". Tacha os escritores angolanos, entre eles Pepetela, de autores de textos "hipócritas" e "provincianos". Menciona ter gasto mais de US$ 48 mil porque clonaram seu cartão de crédito.
'SEMIANALFABETA'
Ele não tem receio de manifestar o desgosto com a americanização da África Ocidental ou o próprio preconceito em relação ao hip-hop, onipresente nas cidades da região. Considera o rap uma "música semianalfabeta", "o uivo da classe dos destituídos, a música da ameaça, da hostilidade, da agressão".
Theroux revela dois motivos para sua viagem pela África. O primeiro foi afastar-se tanto das pessoas que roubavam o seu tempo "com bobagens" quanto do assédio crescente da tecnologia. "A verdade nunca será encontrada na internet", ele diz. "Para buscá-la, é preciso sair de casa, correr riscos e suportar transtornos. O conhecimento vem da experiência direta."
A segunda razão originou-se da suspeita de que essa jornada representaria sua homenagem ao "Éden violado de nossas origens". Theroux escreveu um livro sobre o abrandamento da sua curiosidade. Após passar pela África do Sul, Namíbia e Angola, ele não esperava ver nada diferente de "multidões famintas" e "cidades decadentes" se continuasse para o Norte.
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