Quantas mortes cotidianas, pequenas, miúdas somos capazes de acumular em uma existência inteira?
Morremos a cada grande decepção, de
tédio, de medo, de desejos, por ausências, por faltas, arrependimentos,
anseios, despedidas e até de vergonha!
Estranho pensar que as pessoas, em
geral, temem tanto sua morte derradeira e final, aquela que consome a
carne, remove o oxigênio e paralisa células e coração, e se esquece que
passa uma vida inteira aprendendo a morrer, deixar, desapegar,
abandonar... ser deixado, largado e abandonado, preterido e até
esquecido!
Então por quê do medo da última de todas as mortes?
Aquela que não nos obrigará a acordar no dia seguinte para de novo ver-mo-nos morrer?
Ainda há os que morreram uma vez e nunca mais conseguiram voltar a viver.
A morte em vida apagou-lhes o brilho, as
vontades, os desejos, o viço... Morreram quando encontraram o medo do
medo. Não foram capazes de encarar suas fragilidades, decepções,
frustrações e optaram por, simplesmente, esquecer para ser esquecidos.
Assistem de longe aquela que teria sido sua vida.
Houve os que morreram de medo de
aprender a viver com outros, de aprender a entrega, a troca. Tiveram
medo de aprender que viver ao lado de outro significa em alguns momentos
ceder e compor e levaram à morte relações ainda no nascedouro.
Muitos morreram de medo de mudar e
ficaram presos no infinito de suas repetições e vícios. Sepultaram-se no
tédio e no esquecimento de vidas imóveis e estanques. Morrendo de medo
de opiniões alheias, críticas e avaliações.
Há os que morreram de inveja,
ostentação, luxúria e simplesmente não entenderam suas vidas despojadas
destes apetites tão mortais.
Morremos de desejos, uns cálidos e
outros muito quentes, sutis ou arrebatadores, contidos ou
descontrolados, cheios de pudores ou totalmente despudorados, alguns
débeis outros avassaladores, mas todos desejos que morreram quer por
nossas próprias ações, quer por alheias.
Morremos de saudades. De lugares, de pessoas, de cidades, de encontros, de vidas que tivemos.
Morremos pelo que dissemos e pelo que deixamos de dizer!
Ainda há os que morrem de esperar, ou os que ao contrário morrem de tanto procurar e não encontrar.
Morremos de angústia e de alegria...morremos...morremos...
Mas ainda que morrendo cada dia,
encontramos a magia da ressuscitação diária e nos colocamos de novo ao
alcance daquela que será a próxima das nossas mortes. Prisioneiros que
somos daquilo que parece ser um eterno retorno de mortes em vida.
E assim seguimos, como na mitologia, com
a vida por um fio em mãos de Cloto, Láquesis e Átropos. Tecendo
destinos e nos destinando de acordo com seus caprichos.
Cloto, a fiandeira, tece o fio da vida de todos os homens, desde o nascimento;
Láquesis, a fixadora, determina o tamanho e enrola o fio, estabelecendo a qualidade de vida que cabe a cada um;
Átropos, corta-o quando a vida que representa chega ao fim.
Os Destinos assim repartidos para cada
pessoa, no momento de seu nascimento: uma parcela do bem e do mal,
embora cada pessoa pudesse acrescer o mal em sua vida por conta própria.
Usando como ferramenta do destino a Roda da Fortuna. As voltas da roda
indicavam períodos bons e maus.
E assim a vida numa brincadeira feita em
trocadilhos, nos faz levantar todos os dias acreditando que a vida não
nos faltará. Que a roda da fortuna continuará a rodar e que mesmo
morrendo a cada dia a vida prosseguirá nos fazendo despertar de cada uma
de nossas mortes, para receber nosso quinhão de bons e maus momentos.
Texto de Eliana Rezende, visto no Jornal GGN.
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