Richard Dawkins, palestrante do Fronteiras do Pensamento, acha que pode dar conta da vida e do imaginário com a lógica científica.
É uma velha ingenuidade de cientistas.
Edgar Morin, que não cai nessas cidades, sabe que o racionalismo é o efeito perverso da razão.
Quanto mais racionalizado, mais estéril. É o paradoxo do humano.
Dawkins considera imoral uma mulher, tendo escolha, botar um filho no mundo com síndrome de Down.
É um princípio dissimulado de eugenia. Cada um escolhe o “imperfeito” que não deveria nascer.
O princípio lógico de Dawkins é causar menos sofrimento e mais felicidade.
Como todo princípio lógico aplicado à vida, promove um consequencialismo que esbarra nas suas próprias contradições.
Relembremos o caso do “trem desgovernado” pensado pela filósofa britânica Philippa Foot.
O caro leitor vê um trem sem freios indo para cima de cinco trabalhadores. Digamos que o maquinista teve um infarto. Contudo, entre os cinco que vão morrer e o trem, há uma bifurcação. Se o trem pegar a outra linha, atingirá uma única pessoa.
O prezado leitor está parado diante da chave que muda a direção do trem. Se agir, salva cinco indivíduos e mata apenas um. O que faz? É legítimo e moral agir para causar o menor dano possível, transformando cinco mortes em uma? Ou é um assassinato desviar o trem para matar quem estava inicialmente fora do seu alcance? Faz diferença se essa única pessoa for uma criança indefesa, um adulto ou um velho? A filósofa norte-americana Judith Thomson retomou o experimento. O trem desgovernado segue numa única linha. Vai matar cinco operários. Porém, se o caro leitor, que está em cima de uma ponte, empurrar um gordo, parado ao seu lado, ele vai desacelerar o trem. É o certo a fazer? Ou o melhor é não se mexer e deixar a roda da vida seguir seu curso?
Há quem ache que, nos dois casos, deve-se interferir para diminuir os sofrimentos e aumenta a felicidade.
Philippa Foot, para os defensores da legitimidade da intervenção, pergunta: por que, então, num hospital, não se sacrifica uma pessoa saudável para doar seus órgãos a cinco necessitados, que, se isso ocorrer, terão suas vidas salvas? Fazemos essa distinções sem pensar nelas. Como sustentá-las com argumentos que não sejam confusos e contraditórios? Há situações reais em que é preciso escolher. Na Segunda Guerra Mundial, a Inglaterra, com ajuda de um agente duplo disseminando falsas informações, poderia ter induzido os alemães a bombardearem bairros menos populosos de Londres sem tempo para evacuar os moradores. Seria justo com base na diminuição do número de mortos? Ou injusto e criminoso com os atingidos?
A lógica não basta.
Peter Singer, consequencialista assumido, questiona: você estragaria seus sapatos caros para salvar uma criança de um afogamento? Claro que sim. Por que, então, não vende os seus sapatos e envia o dinheiro para alimentar uma criança que está morrendo de fome em algum lugar do mundo? Em Porto Alegre, Dawkins disse não saber o que significa espiritualidade e, com outras palavras, que a medida da religião é a ciência. Não é preciso ser religioso para dizer: bobagem absoluta. Aquele que sente não precisa provar.
A prova da existência de Deus é um problema de quem não crê.
Dawkins poderia se salvar se tivesse a ironia de Voltaire.
Num mundo vulgar, porém, a sua truculência é suficiente.
A ignorância deslumbrada constrange a inteligência discreta.
Quando se fala de lógica é preciso perguntar: qual?
A vida está aquém e além das lógicas.
Nada de novo nas páginas de Richard Dawkins.
A sua tese dos memes culturais é metafísica de boteco.
Alimenta um bom papo com muita cerveja.
Dawkins é um blockbuster.
Fascina o gosto médio.
Reprodução do Blog do Juremir Machado da Silva.
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