quarta-feira, 27 de maio de 2015

Dado narra dor e delícia de conviver com Renato

Dado narra dor e delícia de conviver com Renato

Livro de memórias do guitarrista da Legião é lançado hoje em São Paulo
Caçula de uma das bandas mais populares do rock nacional narra pirações, palhaçadas e carências do colega
DE SÃO PAULO

Renato Russo morreu à 1h15 do dia 11 de outubro de 1996. Horas depois, os amigos mais próximos, entre eles os companheiros da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, estavam em sua biblioteca. Totalmente chapados.
"Um de nós encontrou uma pedra de maconha na gaveta da escrivaninha, e fizemos bom uso dela", recorda Dado, 49, no livro "Memórias de um Legionário", escrito com Felipe Demier e Romulo Mattos, que lança nesta quarta (27) em São Paulo.
O grupo, que após o café da manhã digeria "a insuportável burocracia em torno da cremação e do contato da imprensa", honrava um Renato diferente daquele que deixou Dado "em estado de choque" três dias antes. Soropositivo, o músico de 36 anos descansava em seu apartamento, em Ipanema. Com 1,74 m, pesava 45 kg.
"Vi um corpo esquálido como o de um prisioneiro judeu no holocausto." No dia, Dado entrou no banheiro e chorou.
Na roda do baseado, contudo, riu ao lembrar de estripulias de Renato. No café de um shopping de São Paulo, Dado conta à Folha sobre a tarde em que simularam o programa "Qual É a Música?". Era o começo dos anos 1990, e a turma reunia Paula Toller e Lindbergh Farias, futuro líder dos caras-pintadas que ajudaram a derrubar Collor.
Renato dublou Luiz Gonzaga --e cantava "eita, Paraíba, muié macho, sim, sinhô" olhando para Lindbergh, paraibano radicado no Rio.
Mas, pelas memórias do caçula da banda, viver ao lado de Renato às vezes era "bad trip".
Antes de completar 18 anos, Dado desistiu de morar na França com o pai diplomata quando o colega o convidou para fazer um som, em 1983. Dado disse sim, e os anos seguintes foram de idas e vindas com o vocalista da Legião, numa relação de amor e ódio que escancara em 255 páginas.
Renato viera do Aborto Elétrico. Saiu da banda após atritos com o baterista Fê Lemos, que chegou a lhe atirar uma baqueta no rosto --ficou irado pois o cantor, embriagado, esquecia letras num show para o qual já chegara atrasado.
Já era referência entre aspirantes a rockstar em Brasília. Na fase "trovador solitário", tocava sozinho na cena roqueira, ele e um violão, canções que virariam hits da Legião, como "Faroeste Caboclo".
Dado o achava corajoso. "O público jogava moedas no palco, como se ele fosse um mendigo, e pedia sucesso da velha guarda, como Cauby Peixoto."
Até que, em 1982, Renato e Marcelo Bonfá, o ruivo "que parecia um pouco o Salsicha do 'Scooby-Doo'", decidiram montar uma banda de rock.

LEITE

O resto é história --cheia de altos e baixos. Como quando ele não apareceu num festival, em 1984, e Dado e Bonfá se apavoraram. Dona Carminha, mãe de Renato, o trouxe pelo braço. "O nosso vocalista estava um trapo: bêbado, com olheiras, incapaz de articular uma palavra". O episódio serviu de alerta. "Percebemos que ele perdia o controle e que, muito provavelmente, isso aconteceria novamente."
Pouco depois, Renato cortou os pulsos. Dado conta ter sabido que ele logo se arrependeu e gritou "mamãe!", sendo hospitalizado em seguida.
Para Dado, os dilemas da adolescência foram definidores para Renato, filho de país católicos, às voltas com uma "sexualidade recalcada", que "namorava escondido numa Brasília reacionária".
Levaria anos para que "virasse paladino da causa gay" --e se sentisse confortável para apresentar namorados, como Scott, "um californiano louro, todo fortão", à banda.
A época em que Fernanda, mulher de Dado, era empresária da Legião também causou cizânia. No livro, Dado lembra quando Renato, "no melhor estilo babaca pop star", bateu a porta do camarim na cara dela."Tinha ficado putinho quando descobriu que a Fernanda não tinha comprado o leite que ele lhe pediu."
Há vezes em que Dado crê que seu amigo "partiu cedo demais. Não tive tempo de colocar o dedo na cara dele por algumas coisas". Boas lembranças também vêm à tona, e hoje prevalece a sensação de que "a página virou", afirma. "Ah, e eu faço terapia há anos!" (ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER)

MEMÓRIAS DE UM LEGIONÁRIO
AUTORES Dado Villa-Lobos, Felipe Demier e Romulo Mattos
EDITORA Mauad X
QUANTO R$ 49,90 (256 págs.)
LANÇAMENTO nesta quarta (27), às 19h, na livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2073, tel. 11-3170-4033)


Reprodução da Folha de São Paulo

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