Parar de querer pode ser visto como um aspecto de parar de ter curiosidade. É como se não se quisesse conhecer nada mais do que já se conhece. Parar de querer não é uma ruptura, é um definhar não só da curiosidade, mas --bem pior do que isso-- da vontade.
Não se trata do que eu posso ou não posso fazer ou promover. É muito diferente de não poder. Quando paramos de querer nos aproximados da desesperança, do vazio. É quando não vemos nada à frente, no futuro próximo. Eis que surge o espaço para uma pergunta grave: então, viver para quê?
O parar de querer pode vir com a idade, mas não é obrigatório. Há muitos idosos que não conseguem mais andar, mas continuam interessados no que o amanhã lhes trará.
E tem mais: o definhar da curiosidade não é igual à depressão. Nesta não se dá valor para o que pode vir de fora, o que é muito diferente de não querer saber se há alguma coisa fora do "aqui agora".
Repararem que as senhoras idosas nunca ou raramente pedem receitas novas de comida. É desse jeito que o idoso vai se separando do mundo: deixando a curiosidade definhar. Que importa o amanhã se nem hoje quero algo novo?
Velhice e fim têm coisas parecidas e coisas diferentes. O fim imbuído do "não quero saber" é bem diferente daquilo que acaba independente da vontade e do qual eu posso vir até a sentir falta, se for o caso. O fim que eu promovo não é igual ao fim que ocorre fora da minha vontade, sem minha participação.
O avançar da idade aproxima a pessoa de um tipo de fim diferente do que vivencia o jovem nas várias etapas da sua vida. Deixar para trás a boneca, o carrinho, o jogo de panelinhas, é diferente de não conseguir mais se equilibrar no salto alto ou levantar peso.
O idoso não para de fazer coisas; ele deixa de fazer de uma vez por todas. Não quer mais saber, desinteressa-se. Afasta-se sem dor. Quando o desinteresse aterrissa na nossa vida tudo se torna monótono porque nada de novo entusiasma.
Existe o fim e o ir acabando. Existe o não conseguir mais e existe também o não querer mais. São momentos diferentes da vida da gente. Quando começa a predominar o "para quê?" estamos chegando em um momento grave.
O par de olhos que não procura mais o novo no horizonte pertence a alguém que não se surpreende mais. Não se surpreender traduz uma indiferença que torna o cotidiano difícil de ser tolerado. Tudo fica entediante. Cá entre nós, a surpresa é, na verdade, a alma do negócio de viver bem.
Esperar, aguardar, sonhar, imaginar muitos "depois" preenche a consciência de todos os seres humanos indistintamente, não importa a época, a idade, a origem, a raça, o gênero. Imagino que o homem das cavernas ansiava pela chuva da mesma forma que o jogador na mesa de roleta torce para sair o número que escolheu. Também os pais esperam ansiosos pelo nascimento de cada filho, não só o primeiro.
Cada um é uma nova surpresa. Sem falar da espera pelo prazer fugaz, porém não menos desfrutável, do cheiro de bolo fresco recém saído do forno ou do pastel de palmito que está sendo frito na frigideira.
Parar de esperar é o começo do fim. Nós todos gostamos de correr atrás de uma cenoura. É a cenoura nossa de cada dia que nos move.
Texto de Verônica Mautner, publicado na Folha de São Paulo.
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