quinta-feira, 28 de maio de 2015

Feyerabend teria muito a ensinar a Dawkins

Modas intelectuais são tão comuns quanto novas tendências de sandálias e biquínis.
No Brasil, as modas intelectuais costumam chegar por editoras como a Cia das Letras, que transforma o gosto médio em fashion.
Richard Dawkins é a tendência da estação.
Não passa de um vulgarizador. Um cientista de livraria de aeroporto.
Qual a sua grande descoberta? Como compará-lo a Darwin ou Einstein?
Os seus adoradores querem vê-lo como um grande cientista, mas preferem evitar tais comparações.
Dawkins apanharia fácil de Karl Popper, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend.
O físico Paul Feyerabend, que foi professor na Universidade da Califórnia e uma das grandes inteligências do século XX, reduzia a pó o tipo de arrogância científica de um Dawkins: “A ciência aproxima-se do mito, muito mais do que uma filosofia científica se inclinaria a admitir. A ciência é uma das muitas formas de pensamento desenvolvidas pelo homem e não necessariamente a melhor. Chama a atenção, é ruidosa e impudente, mas só inerentemente superior aos olhos daqueles que já se hajam decidido favoravelmente a certa ideologia ou que já tenham aceito, sem sequer examinar suas conveniências e limitações. Como a aceitação e a rejeição de ideologias devem caber ao indivíduo, segue-se que a separação entre o Estado e a Igreja há de ser complementada por uma separação entre o Estado a ciência, a mais recente, mais agressiva e mais dogmática instituição religiosa. Tal separação será, talvez, a única forma de alcançarmos a humanidade de que somos capazes, mas que jamais concretizamos”.
O resto é ignorância científica ou disfarçada de saber científico.
É famosa a frase do poeta Jean-Arthur Rimbaud: “O eu é um outro”. O eu nunca é um só. Eu não sou eu. O eu é multifacetado. Quem diz eu, diz outro, múltiplos, todos. O medíocre, que se acha único, odeia o eu do outro, que vê como manifestação de narcisismo. Mas só há egocentrismo na expressão do eu com quem ninguém se identifica. O cientista Richard Dawkins esteve em Porto Alegre. É um polemista temível. Sem perder a fleuma, insulta meio mundo. Aconselha mulheres a abortar de fetos com síndrome de Down. Acha imoral trazer ao mundo um ser com deficiência havendo a possibilidade de escolher. Desqualifica todo crente em alguma religião. Os fãs de Dawkins acreditam religiosamente nele. Biólogo evolucionista, preocupa-se mais com genes do que com gente.
Dawkins é um marqueteiro fanfarrão bem-sucedido. Escreveu muito sobre religião e sobre a inexistência de Deus sem apresentar um só argumento novo. É bem provável que esses argumentos não existam. Bastaria ler Voltaire. Resta requentar o velho e servir como se fosse novo com um molho picante. Para os ignorantes, contudo, Dawkins passa por alguém que faz grandes revelações. As suas provocações são violentas, fortes e ralas. Impressiona pela segurança. Sugere que, no mundo sem Deus, é razoável consumir drogas em substituição. A ciência de Dawkins explica tudo. Só não explica esta velha e óbvia questão: por que existe algo em lugar de nada? A ciência decifra a natureza. Só não pode decifrar a razão de a natureza existir ou ser desta e não de outra maneira.
O eu carrega outros. Dawkins deve ser outro. O que pensará o outro Dawkins dessa encenação da sua figura pública? Não se trata de avaliar a pertinência de certos argumentos de Dawkins, mas de questionar–lhes a originalidade. Por outro lado, basta ser prático: o homem veio, falou e partiu. Não deixou impressões digitais. Fez o seu show, embolsou uma boa grana e se foi. Imagino uma pessoa com síndrome de Down na plateia. Se dependesse do palestrante, a pessoa não teria nascido. Imagino uma mãe de alguém com síndrome de Down escutando Dawkins. Se ela teve escolha e deixou o filho nascer, é imoral. Em Palomas, Candoca, o ingênuo, acha esse tipo de afirmação idiota. Candoca, contudo, é idiota. A sua opinião não conta. Deve estar com inveja.
A infâmia vende bem. Uma das mais velhas ilusões do cientificismo é crer que a ciência dá conta de tudo e necessariamente produz um mundo melhor. O paradoxo da ciência é colocar, no lugar da superstição, a falta de sentido. O mundo racionalizado é o da depressão crescente. A sabedoria da douta ignorância consiste em mesclar resultados da ciência com aspirações metafísicas. Até cientistas fazem isso. O imaginário continua fora do alcance da razão árida. Dawkins encontrou a sua maneira de existir e de ganhar dinheiro. Fatura alto. Não deixa de ser útil e de ter razão em alguns pontos. O seu limite é o céu. Quer ser o Deus dos intelectuais e da razão. Há algo de irracional nessa ambição não confessada, mas evidente. Como é bom ter um eu sem limites. É um delírio.
A prova da inexistência de Deus cabe a quem não crê.
Reduzir o fenômeno intemporal e universal da crença a ignorância é uma ignorância comum na ciência.
Outra coisa é a laicidade do espaço público.
Qualquer pessoa tolerante sabe disso.
Basta de Dawkins, Modas passam rápido.

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