sexta-feira, 8 de maio de 2015

O que resta


O ator e diretor Antonio Abujamra, morto em 28 de abril, tinha uma fala pronta quando lhe telefonavam: "Abu?"; "O que resta dele". A resposta desalentada parece traduzir a situação brasileira.
A hegemonia da política nacional vem sendo disputada, nos últimos 20 anos, por dois partidos que já tiveram ideias claramente identificáveis e um compromisso com a democracia. Hoje, no lugar de seus antigos e honrosos pensamentos, estão traições explícitas às origens e entusiasmos por golpismos de ocasião. "PT?"; "O que resta dele". "PSDB?"; "O que resta dele".
Eduardo Cunha está mandando no país não apenas por conta de sua esperteza e sua truculência. Ele ocupa o vazio aberto pela renúncia de PT e PSDB a si mesmos.
O vazio da política --entendida como disputa de ideais e projetos-- é o terreno onde vicejam os partidos de aluguel, os chantagistas, os surrupiadores, os fascistas. Em suma, a camarilha da Câmara. Não por acaso, se quisermos nos livrar de Cunha, dependeremos da polícia, não da política.
O cenário é desolador por causa do derretimento da economia, mas também, e, em boa parte, pela seca de inteligência.
A maioria das cabeças que prestam está fora dos governos, fora do Congresso, escondida em legendas menores, afastada das instâncias de decisão --dominadas por oportunistas e tecnocratas.
"Governo Dilma?"; "O que resta dele". "Conquistas trabalhistas?"; "O que resta delas". "Avanços nos direitos civis?"; "O que resta deles". "A defesa de 30 anos de suada redemocratização?"; "O que resta dela". "O reconhecimento pelas furibundas elites de que nunca ganharam tanto dinheiro como nos últimos anos?"; "O que resta dele".
Seria bom que, a partir desses restos, fosse possível reconstruir algo. Para que reste algo de nós.

Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo

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