sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Prostitutas presas na China são obrigadas a trabalhar de graça

Banhada em luz cor-de-rosa fluorescente para indicar que estava aberta para negócios, Li Zhengguo discorreu sobre os riscos profissionais do trabalho de prostituta na China: clientes abusivos, o espectro do HIV e os olhares acusadores de vizinhas, que ferem sua alma. "Minha vida é tão cheia de ansiedades", disse ela no intervalo entre dois clientes, em uma noite recente. "Algumas vezes meu coração se sente podre, por eu ter dado meu corpo."
Mas seu maior temor é uma visita da polícia. A última vez em que foi levada à delegacia local, Li foi enviada sem julgamento ou defesa jurídica para um centro de detenção na província vizinha de Hebei, onde passou seis meses fazendo flores ornamentais de papel e recitando a lista de regulamentos que criminalizam a prostituição. Sua prisão no Centro de Educação e Custódia Handan terminou com uma última indignidade: ela teve de reembolsar a cadeia por sua estada, cerca de US$ 60 por mês.
"Na próxima vez que a polícia vier me pegar, corto meus pulsos", disse Li, 39, que é mãe solteira de duas crianças.
Os defensores da reforma jurídica reivindicaram vitória em novembro, depois que o governo chinês anunciou que aboliria a "reeducação por meio do trabalho", sistema que permite que a polícia envie pequenos criminosos e pessoas que se queixam demais do governo para campos de trabalho durante até quatro anos sem julgamento. Mas dois mecanismos paralelos de castigo extrajudicial persistem: um para os infratores com drogas e outro para as prostitutas e seus clientes. "Os abusos e a tortura continuam, apenas de maneira diferente", disse Corinna-Barbara Francis, uma pesquisadora da China na Anistia Internacional.
O obscuro sistema penal para prostitutas, chamado de "custódia e educação", é notavelmente semelhante à reeducação mediante o trabalho. Centros dirigidos pelo Ministério da Segurança Pública detêm as mulheres por até dois anos e muitas vezes exigem que elas trabalhem em oficinas sete dias por semana sem pagamento, produzindo brinquedos, palitos para comer e fraldas para cachorros, alguns dos quais são vendidos no exterior. Os clientes homens também são presos nesses centros, mas em número muito menor, segundo um relatório divulgado em dezembro pelo grupo de defensoria Asia Catalyst.
O grupo relata a custódia e educação como um vasto empreendimento comercial disfarçado de sistema de reabilitação feminina. Estabelecidos pela lei chinesa em 1991, os centros de detenção são dirigidos por escritórios locais de segurança pública, que têm a decisão final sobre as penas. Ex-detentas dizem que policiais às vezes pedem propina para libertar as detidas.
O governo não publica estatísticas regulares sobre o programa, mas especialistas estimam que de 18 mil a 28 mil mulheres são enviadas para centros de detenção todo ano. As detentas têm de pagar pela alimentação, exames médicos, roupas de cama e outros artigos essenciais, como sabonete e absorventes, e a maioria gasta cerca de US$ 400 por uma permanência de seis meses, segundo o relatório.
"As que não podiam pagar só recebiam pães cozidos ao vapor para comer", disse uma mulher à Asia Catalyst. Em alguns centros, os visitantes têm de pagar uma entrada de US$ 33 para ver parentes presos.
Os que estudaram o sistema dizem que os escritórios locais de segurança pública obtêm uma renda considerável do que é essencialmente mão de obra grátis.
As mulheres descrevem o trabalho no campo como tolerável mas entediante. Em uma entrevista, uma nativa de 41 anos da província de Jiangxi, no sudeste, disse que passava o dia em uma dessas cadeias fazendo animais de pelúcia, às vezes até as 23h. "A gente costurava tanto que a mão doía", disse a mulher, que só deu seu nome de rua, Xiao Lan, ou Pequena Orquídea.
Ela riu quando perguntada sobre a parte educacional do programa --em sua maioria, longas sessões memorizando as regras de comportamento na cadeia. "Nós chamávamos as guardas de professoras e elas nos chamavam de estudantes, mas não aprendemos nada", disse.
Xiao Lan foi libertada depois de seis meses e imediatamente voltou a sua antiga profissão. "Todas as outras garotas fizeram o mesmo", acrescentou.
Entrevistadas por telefone, autoridades de segurança pública em várias províncias que operam grandes centros de custódia e educação não quiseram falar sobre o assunto, alegando que não são autorizadas a falar à imprensa.
Os que tentam abolir o sistema reconhecem que terão um duro caminho pela frente. Há pouco apoio público para que se reduzam as penas para a prostituição, e o influente aparelho de segurança interna da China provavelmente não cederá de boa vontade o poder e os lucros do sistema atual.
As indignidades da prisão pouco adiantam para dissuadir as mulheres que conseguem ganhar mais de US$ 1 mil por mês como prostitutas, o triplo da renda média dos trabalhadores não qualificados na China.

Reportagem de Andrew Jacobs, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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