domingo, 26 de janeiro de 2014

Mudança de Obama na espionagem será apenas cosmética

ENTREVISTA - JAMES BAMFORD, 67
Mudança de Obama na espionagem será apenas cosmética
Especialista na NSA, jornalista diz que a agência sempre espionou todo mundo desde os anos 50, sem leis que a freassem
RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTON

As mudanças na espionagem dos EUA anunciadas pelo presidente Barack Obama são "cosméticas", e os países espionados "deveriam continuar muito preocupados".
Quem diz isso é um dos maiores especialistas externos da Agência de Segurança Nacional (NSA), o jornalista James Bamford, 67, que estuda a agência há 30 anos.
Ex-analista de inteligência da Marinha e ex-professor-visitante da Universidade da California em Berkeley, ele escreveu três best-sellers sobre a NSA. A trilogia serviu de base a um seriado sobre a agência, indicado para o Emmy, o Oscar da TV americana.
Leia trechos da entrevista:

Folha - O que o sr. espera que mude nos sistemas de espionagem da NSA?

James Bamford - As mudanças anunciadas por Obama são apenas cosméticas. Ele transferiu a esponsabilidade aos mesmos que deixaram a agência livre para fazer o que quiser: chefes da inteligência, Departamento de Justiça, Congresso. De 46 recomendações de mudanças feitas pela comissão independente nomeada pelo próprio Obama, o discurso só citou seis. Não vai mudar nada.

A NSA sempre foi poderosa desse jeito?
Era como um gorila enjaulado. Sempre foi enorme, com grande orçamento, e espionou todo mundo desde os anos 50 sem leis que a freassem. Em 1975, uma comissão do Congresso investigou seus abusos e criou a Fisa, o tribunal secreto que a controlava. Mas, depois dos atentados de 2001, o governo Bush deixou de lado a Fisa e aumentou o poder da NSA. A agência ficou fora de controle.

As grandes empresas do Vale do Silício são cúmplices da NSA ou obrigadas a cooperar?
No braço de ferro entre Vale do Silício e militares e espiões, estes levaram a melhor. As empresas de tecnologia precisam cooperar com ordens secretas, liminares secretas de um tribunal secreto. E têm seus servidores invadidos pela espionagem. O Vale do Silício vai precisar fazer muito mais lobby, já que está perdendo muito dinheiro.

Mas Obama disse que todo mundo espiona e que só os EUA estão sendo julgados.
Certa espionagem é necessária, e não reclamaria de espionarmos Coreia do Norte ou China, mas espionar aliados? A Petrobras? Isso não.
Todos os países gostariam de espionar uns aos outros, e diversos adorariam espionar a Casa Branca, mas essa comparação é falaciosa. As nove maiores empresas de tecnologia do mundo estão nos EUA. Um telefonema entre Bancoc e Laos provavelmente passará por algum cabo nos EUA. Não dá para comparar com o que outros países fazem.

Que atentados a NSA evitou?
A NSA não descobriu o atentado frustrado da Times Square nem o de Boston. Há um só caso descoberto, um taxista em San Diego que transferiu dinheiro para a Somália. Não justifica gastar US$ 10 bilhões por ano com isso.

O Brasil conseguiria se proteger dessa espionagem ou é quase impossível?
Nenhum governo sozinho vai conseguir driblar a espionagem americana. Só coletivamente, já que é o mesmo problema. Admiro a reação do Brasil, mas a resposta precisa ser tecnológica. Achar soluções e ser menos dependente dos americanos.

A opinião pública americana parece não dar muita atenção para o tema, e a maioria quer que Edward Snowden seja julgado. A segurança nacional ainda está acima de tudo?
Vivemos uma era de exibicionismo digital: a preocupação com a privacidade é menor do que nunca, e a maioria dos americanos não parece preocupada com a vigilância. Há uma crença forte de que o governo é benévolo e só quer nos proteger. Atitude ingênua, mas que permitiu as guerras do Vietnã e do Iraque. Éramos o bem contra o mal.

Então o efeito das denúncias de Snowden é limitado?
Daniel Ellsberg, que revelou os papéis do Pentágono, era um analista militar que defendia a Guerra do Vietnã. Chelsea Manning se alistou para lutar no Iraque. Os delatores podem ter má fama, mas estavam dentro do sistema, não gostaram do que viram e se rebelaram. Imagine quantas vidas não teriam sido salvas se um delator revelasse antes da invasão do Iraque que aqueles documentos da inteligência eram errados?

Obama apenas herdou o legado de Bush?
Aceitou os pedidos de militares e serviços de inteligência. Aumentou tropas no Afeganistão, o orçamento da CIA e o uso de drones. Não reduziu o legado de Bush.


Reprodução da Folha de São Paulo

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