A ida de Dilma Rousseff ao Fórum Econômico Mundial faz parte de um árduo roteiro, uma espécie de caminho de Compostela, que a mandatária se vê condenada a cumprir para obter a absolvição dos endinheirados. Há um ano o governo busca, sem sucesso, mostrar ao mercado financeiro que desistiu da "aventura" desenvolvimentista e deseja restabelecer o "status quo ante".
Agora, ao subir pessoalmente a íngreme montanha de Davos, Dilma paga mais um pedaço da longa penitência. Na meia hora que lhe deram para se confessar, ela depositou no altar das finanças as oferendas de praxe. Garantiu que busca o Graal do centro da meta inflacionária, deixou entrever um superavit alto a ser anunciado em breve e chamou a flutuação cambial de, nada menos, que a nossa primeira linha de defesa.
O problema é que os financistas parecem não entender a linguagem do lulismo. O Banco Central aumenta os juros desde abril de 2013. Na forma de um mimo pré-Davos, estabeleceu uma Selic que nem o mercado esperava.
Mas os donos do dinheiro não se deixaram abalar com esses repetidos gestos materiais de devoção. Reportagem publicada pelo "Valor Econômico" (21/1) mostrou que para banqueiros e gestores de recursos "o melhor dos mundos seria que a presidente Dilma Rousseff não se elegesse para um segundo mandato". Ressaltando que o clima "já foi pior", o jornal dá conta de que para as duas dezenas de personagens ouvidos pelas jornalistas, "é preciso tempo para saber se houve, de fato, uma mudança de rumo ou se são ações pontuais".
Desconfiados, os donos do dinheiro querem compromissos explícitos, firmados perante a chama ardente dos holofotes televisivos, para conceder a almejada absolvição. Para usar imagem antiga, porém expressiva, exigem que a presidente beije a cruz. Isso poderia ocorrer por meio de uma ruptura explícita com as antigas crenças, por exemplo, concedendo independência legal ao BC. Ou então, rompendo com velhas relações de solidariedade política ao trocar o heterodoxo Guido Mantega por um liberal à frente do Ministério da Fazenda.
Dilma tem se recusado a beijar a cruz, tentando, por meio de concessões reais e simbologia homeopática convencer os antigos desafetos de que é confiável sem pagar o preço de abjurar os compromissos de antanho. Mas as promessas de contenção fiscal feitas na romaria de Davos, que se torna o ponto sensível quando os juros sobem, pois o dinheiro precisa sair de algum lugar, serão logo cobradas.
Já em fevereiro, o mercado vai exigir um superavit primário robusto e um contingenciamento idem para garanti-lo. É só esperar.
Texto de André Singer na Folha de São Paulo.
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