Somos bons para fabricar bebida --o que o Brasil produz anualmente de cerveja e cachaça daria para fazer do Saara um oceano-- e para consumi-la. A todo dia e hora, a TV martela a mensagem de que tomar cerveja nos garante a eterna juventude e uma eufórica vida à beira-mar, rodeados de amigos e mulheres. Nesses comerciais, ninguém fica de porre ou de ressaca e, muito menos, vomita.
Neles, ninguém sai do botequim ou do quiosque com dez garrafas de cerveja no tanque, pega o carro, dribla a blitz da Lei Seca e manda para o céu os incautos que se puseram na rota do bólido. Ninguém volta para casa trocando as pernas e, ao ser repreendido pela mulher, acerta-lhe uma bolacha ou tenta esganá-la para restabelecer a moral no lar. E ninguém é de menor, nem conta com garçons que lhe servem bebida na calçada. Ninguém sequer urina na árvore.
Somos bons para fabricar e consumir, mas péssimos para tomar medidas que compensem os efeitos dessa interminável libação. Responsáveis por acidentes de trânsito com mortos e feridos podem ser condenados, mas continuam à solta e ao volante. Somos ineficientes para calcular a incidência do álcool nos casos de violência doméstica, embora se suspeite que chegue a 99%. E quantos de nós sabemos a quem encaminhar um amigo ou parente com um nítido problema alcoólico?
Assim como o poder público conseguiu convencer os fabricantes de cerveja a bancar parte dos gastos com banheiros químicos no Réveillon e no Carnaval, poder-se-ia exigir deles algo semelhante quanto à prevenção.
Digamos: uma taxa --paga por eles-- sobre cada garrafa, para a produção de comerciais em que seus clientes viveriam as situações descritas acima: urinando na rua, vomitando os bofes, batendo com o carro, espancando a mulher ou sofrendo com dor de cabeça. O Brasil se reconheceria nesses filmetes.
Texto de Ruy Castro na Folha de São Paulo.
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