Alguns meses atrás, em uma noite quente de sexta-feira em Acra, Gana, encontrei-me em uma sessão de orações que dura a noite inteira com uma igreja evangélica carismática. A oração ao longo da noite tornou-se extremamente popular na cidade, o que de certa forma perturba os que são contrários ao barulho noturno, equiparável ao de uma festa de fraternidade estudantil nos EUA.
Mas os frequentadores adoram essas orações, porque o período prolongado lhes permite rezar de modo mais intenso do que em apenas duas horas no serviço dominical. Nesta noite de sexta-feira, o foco de nossas orações era uma história do Livro de Atos dos Apóstolos.
O apóstolo Paulo, chegando a uma ilha em sua viagem para difundir o Evangelho, apanhou um pouco de lenha para fazer uma fogueira e uma serpente assustada picou sua mão. Quando os habitantes da ilha viram a cobra agarrada a sua mão, pensaram que ele morreria. Mas Paulo livrou-se da cobra e sobreviveu. O pastor aplicou a Escritura a nossas vidas: "Diga não em voz alta!", ele gritou. "Toda cobra que agarrar minha mão, meu casamento, minha carreira, meu destino, eu a sacudo. Eu a sacudo!" As 200 pessoas ao meu redor saltavam e balançavam as cabeças furiosamente, sacudindo cobras invisíveis no ar.
Estar na África é encontrar um Deus diferente do de uma igreja carismática nos EUA. As pessoas dizem que aqui o limite entre o sobrenatural e o natural é mais tênue. Certamente, a religião está em toda parte --e parece haver igrejas e cartazes de igrejas em todas as ruas-- e há poucos ateus. Os evangélicos americanos costumam dizer que a fé é mais intensa na África. Há certa verdade nisso. Comparada com a cristandade de Gana, a cristandade americana pode parecer pão molhado.
Não é apenas a intensidade que parece diferente. Nessas igrejas, a oração é arma de guerra. As novas igrejas cristãs carismáticas em Acra imaginam um mundo cheio de forças malignas que atacam seu corpo, sua família e seus meios de ganhar a vida.
J. Kwabena Asamoah-Gyadu, um professor no Seminário Teológico da Trindade em Legon, Gana, afirma que essas igrejas se espalharam tão rapidamente porque a religião tradicional africana imagina um mundo cheio de espíritos escuros dos quais as pessoas devem se proteger, e essas novas igrejas levam esse mal a sério, de uma maneira que muitos missionários cristãos primitivos não faziam. De fato, estive em um serviço cristão em Acra no qual milhares de pessoas gritavam: "Os feiticeiros vão morrer! Eles vão morrer! Morrer! Morrer!", enquanto o pastor rugia: "Esta é uma zona de guerra!"
Embora isso pareça muito diferente da cristandade evangélica americana com seus tons brandos, que enfatiza a graça divina mais que o julgamento, a guerra espiritual está profundamente inserida na tradição evangélica. O renascimento carismático depois dos anos 1960 nos EUA, às vezes chamado de "Terceira Onda" do cristianismo (o pentecostalismo clássico foi a primeira e o catolicismo carismático, a segunda), introduziu a ideia de que todos os cristãos interagem com forças sobrenaturais diariamente. Isso inclui os demônios.
Na verdade, encontrei livros americanos tratando de demônios em todas as livrarias das igrejas carismáticas africanas que visitei. Em uma igreja onde parei para olhar a prateleira de manuais contra o demônio, uma atendente inclinou-se para me mostrar um. Ela escolheu um americano. "Aqui está", disse ao me entregar "Free at Last" [Finalmente livre], de Larry Huch. "Este é bom."
Em muitas igrejas evangélicas americanas as pessoas lhe dirão que os demônios são reais, mas elas não os consideram especialmente importantes. Demônios não aparecem nos sermões das manhãs de domingo, e a maioria das pessoas não reza sobre opressão demoníaca. Seus encontros com o mau sobrenatural eram como as histórias de fantasmas que eu ouvia no acampamento de verão: mais excitantes que aterrorizantes.
Um homem me falou sobre um anjo que o protegeu expulsando o diabo: "Quando eu me virei totalmente, exatamente ali, a mulher, o veículo, as luzes brilhando, tinham desaparecido. Sumiram. Mas à luz dos meus freios eu vi o sujeito correndo morro acima".
Mas nem sempre. Uma pesquisa de 2012 descobriu que 57% dos americanos acreditam em possessão demoníaca. É improvável que seja divertido para todos eles.
Uma maneira de pensar em demônios (se você não acreditar no mal sobrenatural) é que eles são uma maneira de representar o ódio humano, a raiva e o fracasso, coisas que todos decidimos exorcizar em nossas resoluções de Ano Novo. O antropólogo Gananath Obeyesekere, que cresceu no Sri Lanka, fez doutorado na Universidade de Washington e acabou contratado por Princeton, comentou certa vez que todos os humanos lidam com demônios. (Ele estava citando "Os Irmãos Karamazov", de Dostoievski: "Em cada homem, é claro, há um demônio escondido".) A única questão, disse ele, é se os demônios estão localizados na mente, onde Freud os colocou, ou no mundo. É possível que identificar seu inimigo como externo e exótico torne mais fácil lutar contra ele.
Mas também é verdade que um agente externo lhe dá algo --e muitas vezes alguém-- para identificar como não humano. Na África Ocidental, os feiticeiros são pessoas, e às vezes outras pessoas os matam ou os expulsam de suas casas.
Em uma pesquisa realizada em abril pela Public Policy Polling, mais de um em cada dez americanos tinha certeza de que Barack Obama é o Anticristo --e o Anticristo, como se sabe, é associado à guerra no Oriente Médio. Se essas pessoas pensam que os demônios são reais, elas não querem dizer que Obama esteja desorientado, confuso ou enganado. Elas acreditam que ele é o mal real, inumano.
Esse é um pensamento terrível.
Texto de T. M. Luhrmann para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
(T. M. Luhrmann é editorialista colaborador, professor de antropologia em Stanford e autor de "When God Talks Back: Understanding the American Evangelical Relationship With God" [Quando os deuses respondem: compreendendo o relacionamento dos evangélicos americanos com Deus].)
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