sábado, 25 de janeiro de 2014

Fragilidade masculina move drama com história que remete a 'Dom Casmurro'


Fragilidade masculina move drama com história que remete a 'Dom Casmurro'


SYLVIA COLOMBODE SÃO PAULO

Os dois protagonistas de "A Origem do Mundo", de Jorge Edwards, são desterrados. Exilados políticos, têm a pátria como enevoada referência de seus valores ideológicos e do que foram seus amores de juventude.
Em sua memória, o Chile fora o endereço daquilo pelo que consideraram que valia a pena viver, as lutas de resistência contra a ditadura (1973-1990), o impulso das primeiras paixões.
Em Paris, são obrigados a reconstruir suas vidas no vazio, e com a necessidade de encontrar novamente uma razão para viver.
Enquanto o escritor Felipe Díaz se esvai numa vida de luxúria e bebidas, conquistando uma mulher a cada noite e colecionando suas fotos, o médico Patrício Illanes se ilude com a estabilidade do casamento.
A situação se mantém até a morte de Felipe, enterrando com ele a resposta da questão com a qual Illanes passaria a se torturar: teria o amigo tido um caso com sua mulher, Silvia?
Como evidência, ele tem apenas uma pequena foto 3x4, encontrada entre as coisas de Felipe. E, também, uma misteriosa imagem de uma mulher cujo rosto não pode distinguir, mas cuja pose emula o quadro "A Origem do Mundo" (1866), do pintor francês Gustave Courbet.
Illanes é invadido pela sensação de que foi traído e que é Silvia a personagem retratada na imitação do quadro.
O pensamento transforma-se em ideia fixa. A reação de Silvia ao ver o cadáver de Felipe, a lembrança dos encontros entre os três no passado, os telefonemas e mensagens de Felipe vão se juntando em sua mente como peças de um quebra-cabeças que acaba revelando o óbvio: Felipe e Silvia haviam sido amantes.
Instala-se um drama movido a ciúmes retroativos e mistério à la Dom Casmurro, o que não é de se espantar, uma vez que Edwards é um fã de Machado de Assis (1839-1908).
Representante de um grupo, a chamada Geração de 50 chilena, integrada, entre outros, por José Donoso (1924-1996), Edwards transpõe para "A Origem do Mundo" elementos que caracterizariam o estilo desse movimento, tendo como centro a tensão da vida nas cidades.
O romance é, também, um ensaio sobre a velhice. Illanes se apega à vida através desse mistério, como se essa caçada pudesse conter a desintegração do corpo. A luta ganha contornos patéticos e paranoicos, que Edwards explora com humor e ironia.
Até que, no final, o ponto de vista da narrativa passa de Illanes para sua mulher, mudando o jogo de observação e reforçando o verdadeiro tema do romance: a exposição crua da fragilidade masculina.

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