Recebi, semanas atrás, não sei se uma intimação ou um convite, para comparecer à Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog, de São Paulo.
Não pretendo aceitar o convite e só me darei por intimado se sofrer uma punição de força. Num caso e no outro, tenho opinião formada: Vladimir foi miseravelmente assassinado numa prisão do Estado e Fleury assassinou e mandou assassinar uma centena (ou mais) de opositores da ditadura. Nenhuma comissão da verdade, tenha o nome que tiver, me convencerá do contrário.
E há outros casos igualmente tenebrosos, como o do deputado Rubens Paiva, pai do meu amigo Marcelo Rubens Paiva (grande escritor) e o do ex-bancário Aluísio Palhano, que conheci exilado em Havana. Pressionado pelo próprio governo de Cuba, ele tentou vir ao Brasil para liderar uma guerrilha. Veio num navio cargueiro e, próximo ao litoral de Santa Catarina, tomou uma lancha, tentando chegar a terra. Foi fuzilado e jogado no mar. Há também outras versões sobre seu sumiço nas dependências do DOI-Codi.
Descobrir a verdade não é impossível, mas sempre recordo aquela passagem do Evangelho em que Cristo diz a Pilatos que o reino Dele era o da verdade. O procurador romano, a autoridade máxima na Judeia, que condenaria o réu a morrer no Calvário, pergunta sem tom de deboche: "O que é a verdade?". Não espera resposta e vai tomar as providências para a crucificação.
Provavelmente, Cristo não conhecia a definição de verdade de Aristóteles, mais tarde adotada por Tomás de Aquino: "Adaequatio rei ad intellectum". Pilatos era romano. Por formação, seguia os céticos romanos, ficaria na mesma.
Não sou romano, mas cético. Não entenderia nem Aristóteles nem Cristo, mas não precisaria de um ou de outro para saber o que houve de crime e imoralidade no Brasil.
Texto de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo.
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