quinta-feira, 3 de setembro de 2015

O último baile do ajuste fiscal

Não há alternativa confortável para a solução do desastre das contas do governo. As opções indigestas, social e politicamente sombrias, são as seguintes.
Primeira, a sociedade vai entrar em conflito sério e feio sobre o uso e a origem dos dinheiros públicos. Isto é, uma disputa a respeito de quem paga a conta dos cortes de despesas ou dos aumentos de impostos. A reação ao corte de despesas sociais do primeiro pacote fiscal de Dilma 2 ou à volta da CPMF são os primeiros tiros desse conflito. Haverá mais.
Segunda, degradação crítica ou crônica da situação econômica. Isto é, no caso mais provável, aumento sem limite da dívida pública, com decorrentes aumentos de taxas de juros e desvalorizações da moeda, talvez súbitos, a depender da velocidade do endividamento e das condições da economia mundial. No caso mais primitivo, há mais inflação.
A conversa sobre redução do número de ministérios é uma desconversa ridícula, no que diz respeito ao que interessa, dinheiro grosso. A ideia de que é possível dar um jeito nas contas do governo com "cortes na máquina", contornando o conflito social sério e feio, é uma divagação fofa, para ser delicado. É possível chutar no escuro que o governo tem ineficiências. Mas é uma conversa mole dizer que no curto prazo, assim se vai reduzir a despesa de modo relevante, menos ainda para dar conta da presente crise aguda.
Essa conversa mole deriva em parte da ideia de que o governo, assim como o inferno, são os outros. A conta da despesa pública é atribuída a um ente extraterreno, alienada, ao governo que consome os recursos "da sociedade". A "sociedade" também não existe, posta assim deste modo: é dividida e cada uma dessas divisões absorve os recursos recolhidos pelos impostos.
Para descer à terra, são bem conhecidos os fatores do aumento do gasto do governo federal nos anos de governo Dilma 1. Os maiores são os seguintes.
Primeiro, subsídios. O governo subsidiou as empresas, por meio de empréstimos baratos, tomando empréstimos caros no mercado (fazendo mais dívida pública). O programa "Minha Casa, Minha Vida" levou um tanto importante de subsídio. A "desoneração da folha", outro naco pesado —o governo reduziu as contribuições que as empresas devem ao INSS, à Previdência (como não tinha dinheiro, na prática comprou empregos a preço alto fazendo mais dívida pública). Além do mais, dados o erro desastroso na política de energia e a seca, subsidiou as contas de luz.
Segundo, gastos da Previdência, aposentadorias, pensões, auxílio-doença etc. Tais gastos crescem "sozinhos", de modo vegetativo, dadas as normas legais, várias delas questionáveis. Com aumentos reais excessivos de salário mínimo, a conta ficou ainda mais salgada.
Terceiro, gastos com saúde e educação aumentaram além do previsto mesmo pela lei.
Quarto, gastos sociais como benefícios que não são pagos pelo INSS (tais como seguro-desemprego ou Bolsa Família).
Em relação ao tamanho da economia, do PIB, o gasto com pessoal caiu (sic), embora isso não queira dizer que tal despesa esteja em nível adequado. O investimento ("em obras"), ficou na mesma.
Aumentam-se impostos, com os efeitos decorrentes, ou disputa-se a escassez, ponto. A alternativa é mais crise econômica.


Texto de Vinicius Torres Freire, na Folha de São Paulo

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