O camponês Bernad d’Alion vinha de ser condenado pela Inquisição por suas indisfarçáveis heresias. O padre Jacques Fournier fora o responsável pelos autos da condenação.
Práticas similares eram recorrentes em todos os domínios da Igreja naqueles idos dos tempos medievais. Dessa maneira, Jacques Fournier, Bernad d’Alion e essa minúscula vila rural francesa medieval tinham tudo para aceder ao esquecimento do tempo e da história. Mas seus destinos mudaram completamente a partir de 1975 com a publicação do best-seller Montaillou, village occitan de 1294 à 1324 de Emmanuel Le Roy Ladurie. Faz quarenta anos.
A 5 de novembro de 1975, Emmanuel Le Roy Ladurie fazia publicar seu precioso manuscrito pela prestigiosa Bibliothèques des historiens dirigida por Pierre Nora. A primeira tiragem de seis mil exemplares se esgotou rapidamente. Às vésperas do natal daquele ano mais de 100.000 exemplares tinham sido vendidos simplesmente na França.
Quarenta anos depois o livro segue sendo bem vendido e lido mundo afora.
Pelas estimativas da Gallimard em língua francesa são mais de 230.000 exemplares vendidos. Nas outras mais de vinte línguas para as quais foram vertidas Montaillou, village occitan de 1294 à 1324 suas tiragens ultrapassam um milhão de exemplares.
Esse verdadeiro fenômeno Montaillou, village occitan de 1294 à 1324 faria de Emmanuel Le Roy Ladurie o primeiro historiador francês a ser best-seller mundial.
Experiência similar ocorrera antes somente com o antropólogo Claude Levi-Strauss e seuTristes trópicos e com o filósofo Michel Foucault e seu As palavras e as coisas. Recentemente o fenômeno entre os franceses tem sua melhor representação em Thomas Piketty e seu O capital no século 21.
Sobre Montaillou de Le Roy Ladurie, historiadores, editores, jornalistas e leitores passaram os últimos quarenta anos na senda das razões desse sucesso retumbante. Mas nenhuma boa explicação foi encontrada. Afinal, malgrado escrito divinamente, Montaillou, village occitan de 1294 à 1324 não é de leitura e compreensão fáceis.
Seja como for, quando ele saiu eram os anos 1970s.
Maio de 68 seguia vivo nos espíritos. Woodstock também. O general De Gaulle além de sair do poder tinha também partido desta vida. A guerra no Vietnã dava sinais de desaparecer. Os acordos de Bretton Woods já tinham desaparecido. Os trinta anos gloriosos franco-europeus eram cenários de passado. Crises econômicas e sociais tomavam conta da paisagem política. Em 1975, no vazio deixado pela renúncia do presidente Richard Nixon decorrente dos escândalos de Watergate, o presidente Valery Giscard d’Estaing vinha de criar o G4 – depois tornado em G 6 e hoje G ora 7 ora 8.
Esse é o contexto, somado ao momento historiográfico da nouvelle histoire francesa, da aparição de Montaillou, village occitan de 1294 à 1324.
Questionado sobre as razões do sucesso do livro, Le Roy Ladurie indica simples e diretamente: o nervo rústico francês. Essa talvez seja a razão mais decisiva desse sucesso.
Montaillou, village occitan de 1294 à 1324 surgiu num momento onde os franceses e europeus discutiam, mais uma vez, as suas origens e sua natureza identidade. Nessa discussão ficava evidente o apego francês ao rústico, ao rural, à campanha. Justamente a área de especialidade de Le Roy Ladurie.
Nascido na pequena vila de Moutiers-em-Cinglais em 1929, Emmanuel Le Roy Ladurie virou doutor em História em 1967 com uma tese sobre o mundo rural do antigo regime fortemente influenciada pelos escritos do mestre Fernand Braudel. Seis anos depois ascenderia a membro do suntuoso Collège de France.
1968 seria o seu primeiro contato com o processo Bernad d’Alion. Doravante ele ficaria absolutamente apaixonado por Montaillou. Em 1971 ele inclusive produziria um documentário sobre a vila rural para a televisão francesa. Nessa época surgiu a dúvida fatal: Le Roy Ladurie titubeava entre escrever um romance ou produzir um livro de História. Acabaria fazendo um pouco dos dois. Muito de cada gênero vai contido nesse seu formidável Montaillou, village occitan de 1294 à 1324. Não ao acaso seu livro cairia no gosto literário rigoroso inclusive do futuro presidente François Mitterrand.
Após sua publicação a 5 de novembro de 1975, Montaillou, village occitan de 1294 à 1324 seria saudado pelos principais historiadores franceses da época. Entre eles Max Gallo, Pierre Chaunu, Georges Duby, Jacques Le Goff. A 5 de dezembro de 1975, Le Roy Ladurie seria o convidado especial da importante emissão literária Apostrophes de Bernard Pivot. A partir de então o sucesso Montaillou começaria a atravessar as fronteiras. Primeiro com a tradução ao português e sua consequente louvação de aceite. Depois com o reconhecimento da crítica anglo-saxônica. Robin Briggs, importante historiador inglês, chegaria a considerar Emmanuel Le Roy Ladurie de “the king of french history”. Em 1980 seria a vez da London review of books lhe dedicar uma ampla reportagem de capa.
Mesmo assim, Le Roy Ladurie e seu Montaillou não escaparia de críticas severas. Primeiro os guardiães da história local que o consideraram excessivamente sofisticado e, portanto, inautêntico na reconstituição do meio rústico e rural. Depois os medievalistas que em geral lhe conferiram o notório silêncio gelado das confrarias acadêmicas. Por fim das novas gerações de historiadores que o consideram simplesmente limitado. Mesmo assim, Montaillou, village occitan de 1294 está prestes a ganhar as telas dos cinemas. Até fins de 2015 ele vira filme. Um filme em homenagem à Montaillou e aos quarenta anos de sucesso de Montaillou, village occitan de 1294 à 1324.
Reprodução do Jornal GGN.
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