quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A economia precisa da autocrítica de Delfim

O ex-Ministro Delfim Netto cumpre uma missão difícil. Inegavelmente, é uma das vozes mais eficientes em defesa da estabilidade. Mas enfrenta um dilema, diria, de ordem retórica.
Seu discurso tem duas linhas:
1. Acalmar o empresariado e o mercado em relação à economia.
2. Convencer a presidente Dilma Rousseff a corrigir seus erros.
Para convencer o empresariado, Delfim tem que ser severo em relação aos erros do governo Dilma.
Para convencer Dilma, Delfim não pode ser severo demais. A presidente trava ante qualquer crítica mais aguda, fecha o jornal, desliga o note e amua.
Mas se não for severo demais, Delfim perde pontos com o empresariado.
Deu para sacar o que é o hospício Brasil?
Mas, em relação ao ajuste fiscal, Delfim errou. Na ânsia de tentar despertar o "espírito animal" do empresariado, foi o grande avalista do ajuste fiscal de Joaquim Levy.
O ajuste equilibrava-se em uma linha fina, extremamente delicada, no qual a batalha se dava exclusivamente no campo das expectativas. A economia embicava. O ajuste derrubaria mais ainda a economia. Para acordar o "animal" que habita cada empresário, cada um, inidividualmente, precisaria acreditar que os demais estavam acordando.
Na orelha esquerda, o diabinho da recessão apontava a demanda caindo, o desemprego aumentando, a capacidade ociosa ampliando. E, na outra orelha, um anjinho desesperado, berrando: acredite, tenha fé, que quando o ajuste fiscal terminar as flores florescerão, os frutos serão colhidos.
Embora comovidos pelo esforço de Delfim, o "espírito animal" constatou que as pragas do diabinho eram muito mais concretas do que as promessas vaporosas do anjinho.
A recessão se aprofunda rapidamente. Ontem, Delfim tentou encontrar a razão. E, aí, o arguto, o cartesiano, o racional Delfim, que passou os últimos quinze anos ironizando as boutades de Fernando Henrique Cardoso, a retórica-de-enganar-eleitor-primario do príncipe, resolveu recorrer ao repertório fernandiano. E disse que o "espírito animal"  não acordou porque Dilma não fez a autocrítica.
Os desastres de Dilma e do ajuste fiscal vão muito além da autocrítica. Mas foram acentuados pelos efeitos sumamente deletérios da combinação de ajuste fiscal-recessão-política monetária.
Uma autocrítica de Delfim, em relação ao ajuste fiscal e ao padrão Joaquim Levy seria muito mais eficaz que a de Dilma, dado o peso de sua palavra junto ao empresariado.

Reprodução do Blog do Luís Nassif

Abaixo o texto de Delfim Netto.

Tragédia fiscal


À medida que se aproximava a necessidade de apresentar ao Congresso a proposta orçamentária para 2015, aumentava o conhecimento da verdadeira situação fiscal à qual chegamos depois do laxismo de 2014. É, agora, cada vez mais difícil convencer os cidadãos em geral, e o mercado em particular, que o governo ainda controla da situação.
Como ele não conseguiu recuperar a confiança da sociedade, o "ajuste fiscal" não foi acompanhado pela necessária volta da esperança de crescimento do setor privado.
A validade da hipótese que sustenta a ideia que o anúncio de um "forte ajuste fiscal pelo corte das despesas" pode promover o crescimento depende de um pequeno detalhe: a credibilidade do governo deve ser tamanha, que diante de seu simples anúncio, o setor privado se antecipa e mobiliza as suas forças. A vista dos recursos que serão liberados pelo ineficiente setor-governo abre-lhe a "expectativa" de crescimento, o que reacende o seu "espírito animal".
Isso amplia os investimentos e, logo depois, o crescimento. Infelizmente, isso é mais uma das patranhas que os economistas gostam de contar para si mesmos. Ela levou ao exagero a "expectativa racional" dos pobres agentes, até torná-la apenas um elegante jogo lógico de sucesso nas reuniões litero-musicais.
O que está acontecendo não tem nada a ver com o ilustre ministro Levy nem mesmo com o seu programa de "ajuste". Aliás, não há indicação segura de que o dispêndio do governo tenha caído. A recessão (que talvez leve a um encolhimento do PIB da ordem de 2,5% em 2015) já estava anunciada na estagnação de 2014.
A queda de 0,7% do PIB no 1º semestre de 2015, contra o último de 2014, ocorreu quando o "ajuste" não havia sido posto em prática. E para a queda de 1,9% do PIB no segundo trimestre, a contribuição do "ajuste" foi negativa. O encolhimento do PIB vem destruindo –pela redução da receita– o já precário equilíbrio das unidades federativas, cujo grau de endividamento cresce. Elas também querem aumento de impostos, o do ICMS!
Mas, então, o que falhou? Foi a falta do reconhecimento imediato e explícito de Dilma que subestimara, sistematicamente, as dificuldades causadas pelo enorme voluntarismo da sua administração e que, por isso, iria mudar.
Quem tinha que convencer a sociedade que mudou o seu entendimento sobre os problemas econômicos não era o ministro da Fazenda "sombra", mas o titular verdadeiro, isto é, ela mesma. Essa era a condição necessária, (ainda que não suficiente) para criar as condições mínimas de credibilidade do governo que, gostem ou não seus opositores, foi eleito legitimamente.


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