A movimentação para impedir que Dani Dayan se torne embaixador de Israel no Brasil se insere em um contexto muitíssimo maior do que o posto em si.
Para as entidades da sociedade civil que estão tentando fazer o governo brasileiro rejeitar a indicação, trata-se de um ensaio do atual governo israelense de vender ao mundo a tese de um único Estado, binacional (para judeus e palestinos), quando a legalidade internacional determina que sejam dois (um, Israel, já está criado; falta o palestino, contra o qual se levanta há tempos o embaixador designado).
"Sim, vejo a designação de Dayan como uma espécie de ensaio para vender ao mundo, começando pelo Brasil, a ideia de um Estado binacional, em vez dos dois", respondeu à uma consulta da Folha Mossi Raz, um dos porta-vozes de Peace Forum, uma ONG conjunta israelo-palestina, e ex-deputado pelo esquerdista Meretz.
Pode ser apenas uma teoria conspiratória sem base, como dezenas que surgem, dia sim, outro também, naquela região do mundo.
Mas esta se sustenta numa lógica: por que motivo Israel indicaria para o Brasil um líder dos colonos judeus na Cisjordânia (Dayan foi presidente do Yesha Council, que representa os judeus de Judeia e Samaria, como preferem chamar a Cisjordânia ocupada), quando é arquiconhecida a posição brasileira de repúdio aos assentamentos judaicos?
Por que motivo Israel indicaria quem defende a solução de um só Estado se o Brasil insiste sempre na tese –aliás, oficialmente ainda sustentada por Israel– dos dois Estados?
Não é, óbvio, uma indicação que facilite o estreitamento de relações, o objetivo proposto pelo próprio governo israelense ao anunciar o nome de Dayan.
Quais são as chances de a indicação de Dayan não se concretizar? Do lado israelense, são remotas, agora que os dois principais líderes da oposição ao primeiro-ministro Binyamin Netanyahu –Isaac Herzog, da União Sionista, e Yair Lapid, do Yesh Atid (Há um Futuro)– telefonaram ao embaixador brasileiro em Tel Aviv, Henrique Sardinha Pinto, para expressar apoio a Dayan, por mais que discordem de suas posições.
Sardinha também foi procurado pelo pessoal do Peace Forum, que, no entanto, não se mostra esperançoso de que o Brasil rejeite o indicado.
"O Brasil tem muito medo de um confronto com Israel. É muito difícil opor-se a Israel no 'front' internacional. Nenhum país do mundo quer um confronto bilateral mano a mano com o Estado de Israel", disse ao site conservador Arutz Sheva (Canal 7) o embaixador Alon Liel, um dos três diplomatas israelenses que assumem se opor à indicação, mesmo correndo o risco de serem chamados de traidores.
Liel, que já foi diretor-geral da Chancelaria israelense, usa o mesmo argumento de Mossi Raz para opor-se a Dayan: o medo de que prevaleça a solução de um só Estado.
Disse ele ao site: "Acreditamos que, se no próximo ano ou no máximo em dois anos, não começarem negociações sérias sobre dois Estados, então haverá um Estado binacional em que tanto o caráter judaico como o democrático estarão em dúvida".
Tradução: em um só Estado, como a taxa de natalidade dos palestinos é muito superior à dos judeus, em relativamente pouco tempo o caráter judeu de Israel estará suplantado, a menos que, para mantê-lo, se anule a regra básica da democracia de que quem governa é a maioria.
No contexto que cerca a designação da Dayan, é significativo que pesquisa feita pelo Centro Palestino para Política e Pesquisa mostre que 66% dos palestinos rejeitam negociações com Israel que não sejam precedidas do fim das atividades nos assentamentos, dos quais o embaixador designado é o grande defensor.
Dois de cada três palestinos consultados dizem que já não acreditam na solução dos dois Estados, exatamente pela ampliação dos assentamentos, que comem terras que, pela legalidade internacional, devem ficar com os palestinos.
É nesse imbróglio que o Brasil acabou metido involuntariamente.
Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
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