A chacina histórica que ocorreu em São Paulo em maio de 2006, com saldo de 493 mortos, segundo levantamento do Conselho Regional de Medicina, deixou de ter perspectiva de resolução na esfera estadual dois anos depois da guerra entre agentes do Estado, grupos de extermínio e facções criminosas. Em 2010, com os inquéritos arquivados há dois anos, restou às famílias das vitimas e às entidades que atuam em defesa dos direitos humanos solicitar que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal tomassem para si a responsabilidade de levar as investigações adiante.
Esse pedido de federalização está há cinco anos na Procuradoria Geral da República, hoje capitaneada por Rodrigo Janot. Ao GGN, o procurador e coordenador da equipe de assessoria jurídica responsável por despachar esse tipo de demanda, Ubiratan Cazetta, informou apenas, e por meio da assessoria de imprensa, que o caso está "em análise" e que não vai comentar o assunto.
A federalização dos crimes de maio é um entre 49 petições do gênero em trâmite na PGR, sendo que 20 deles foram apresentados antes de 2013. Os crimes envolvem violações aos direitos humanos e a grande maioria tem participação de agentes do Estado ou de pessoas com muita influência política e econômica, com poder de criar obstáculos à apuração.
Segundo reportagem republicada pela Agência Brasil há cerca de um mês, a mais antiga dessas petições está há quase nove anos à espera de que Janot decida se deve propor ao Superior Tribunal de Justiça a transferência do processo da Justiça estadual para a federal, "a fim de evitar que, por falta de interesse, condições ou competência das autoridades locais, o crime acabe não sendo esclarecido e os responsáveis fiquem impunes."
Em abril passado, ao GGN, Cazetta tentou relativizar o número de pedidos de federalização parados na PGR, alegando que em alguns casos, "o simples fato do procurador-geral da República remeter a um procurador-geral de Justiça ou a um secretário de Segurança Pública [do Estado] um pedido de informações já é suficiente para fazer com que as autoridades passem a dar uma atenção maior para aquele caso."
Segundo o procurador, a PGR atravessou um período de dificuldade em relação às análises dos pedidos de federalização. Havia dúvidas sobre como aplicar o recurso na prática. Isso porque a possibilidade de deslocar processos de varas estaduais para a Justiça Federal foi instituída a partir da inclusão na Constituição do chamado Incidente de Deslocamento de Compentência, em 2004. "Recente", o instrumento carecia de regulamentação, apontou Cazetta.
Apesar disso, Cazetta afirmou à Agência Brasil que a PGR havia detectado elementos suficientes para federalizar cinco dos 49 pedidos, mas não quis antecipar o teor dos casos e tampouco confirmou se os crimes de maio é um deles.
Ao GGN, o defensor público do Estado de São Paulo, Antonio Maffezoli, que defendeu parte das famílias das vitimas dos crimes de maio, disse não acreditar que a federalização das investigações daquele massacre vai sair do papel e classificou o instrumento como uma forma de não deixar que o episódio caia no esquecimento, apenas.
“Acho muito difícil, eu vou ficar muito surpreso, que depois de cinco anos a Procuradoria da República resolva pedir a federalização para o STJ”, mencionou. “Como não existe recurso contra arquivamento de inquérito e os Ministérios Públicos em geral se atêm muito ao texto da lei, que diz que o inquérito só pode ser reaberto com prova nova, nós não tínhamos nenhuma chance de cobrar a reabertura do inquérito no estado de São Paulo”, revelou. “Como é que vai ter prova nova se não há mais investigação, se a polícia parou de investigar quando o inquérito foi arquivado?"
À Agência Brasil, Cazetta disse que "embora não atendam ao tempo que a sociedade considera adequado, [os pedidos de federalização] não necessariamente significa que as autoridades estaduais não estejam empenhadas em esclarecer o caso". Ele ainda indicou que "o mais importante é que o Estado brasileiro, sobretudo as autoridades locais, garantam às autoridades policiais e judiciárias estaduais condições de trabalhar sem sofrer pressões políticas ou econômicas."
Reprodução do Jornal GGN.
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