terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Seca alarma Califórnia e impele a mudanças

Seca alarma Califórnia e impele a mudanças
Por ADAM NAGOURNEY e IAN LOVETT

LOS ANGELES - A terrível seca que assola a Califórnia já ameaça o abastecimento de água potável do Estado.
Sem sinal de chuva, 17 comunidades rurais que fornecem água para 40 mil pessoas correm o risco de ficar sem o líquido dentro de dois ou três meses. O Projeto Hídrico Estadual, o principal sistema municipal de distribuição, disse que não tem água suficiente para complementar as reservas em declínio dos órgãos locais que fornecem água para 25 milhões de pessoas. É a primeira vez que o projeto fecha a torneira em seus 54 anos de história.
As autoridades disseram que estão agindo para implementar planos de emergência. No pior dos casos, elas mandariam trazer água potável em caminhões e perfurar mais poços. Medidas obrigatórias de racionamento de água provavelmente serão impostas aos donos de residências e empresas, que já foram solicitados a reduzir voluntariamente a água que utilizam em 20%.
"Cada dia a mais que essa seca durar, teremos de aumentar as restrições ao que as pessoas fazem", disse o governador Jerry Brown, que também era governador durante a última grande seca no Estado, em 1976-77.
A seca já deixou os campos ressecados, gado em condições de penúria e bolsões de poluição.
"Estamos a caminho da pior seca em 500 anos", disse B. Lynn Ingram, professor de ciências da terra e planetárias na Universidade da Califórnia em Berkeley.
A seca, tecnicamente em seu terceiro ano, já está forçando grandes mudanças de comportamento.
Agricultores de Nevada disseram que desistiram de plantar, enquanto pecuaristas no norte da Califórnia e no Novo México foram obrigados a vender o gado, pois os campos que deveriam ter capim com mais de um metro de altura são uma manta marrom e talos secos.
A pesca e os acampamentos foram proibidos na maior parte da Califórnia, para proteger o salmão ameaçado e evitar incêndios. Muitas pessoas disseram que já começaram a reduzir drasticamente os banhos de chuveiro, a lavagem de carros e as regas de gramados.
A chuva continua tão escassa que pessoas que saíam de um cinema em West Hollywood no final de janeiro começaram a aplaudir ao ver a chuva cair na calçada.
"Meu termômetro de preocupação nunca esteve tão alto", disse Tim Quinn, diretor-executivo da Associação das Agências de Água da Califórnia, coalizão estadual. "Estamos falando sobre condições de seca históricas e de desabastecimento de água em muitas partes do Estado."
As autoridades estão se preparando para o tipo de batalhas geográficas, culturais e econômicas que há muito tempo assolam uma parte do país que é definida pela falta de água: entre agricultores e ambientalistas, usuários urbanos e rurais e as regiões norte e sul do Estado.
"Temos uma política de apontar o dedo e de acusar sempre que há um problema", disse Brown. "E nós temos um problema, por isso haverá a tendência a culpar as pessoas."
Tom Vilsack, secretário do Departamento Federal de Agricultura, disse que a seca na Califórnia é uma "profunda preocupação" e um sinal de advertência para grande parte do oeste dos Estados Unidos.
"Por isso, para nós é importante levar a sério a mudança climática", disse. "Se não fizermos pesquisa, se não tivermos ajuda financeira, se não tivermos recursos de conservação, há muito pouco que poderemos fazer para ajudar esses agricultores."
Perto de Sacramento, o baixo nível dos rios atraiu garimpeiros que procuram ouro nas águas que correm devagar. Para o oeste, a forte demanda de água dos plantadores de maconha medicinal está diminuindo as correntes onde os salmões e outras espécies de peixes ameaçadas procriam.
Sem chuva para limpar o ar, a poluição na bacia de Los Angeles, que diminuiu na última década, voltou a atingir níveis perigosos.
No vale de San Joaquim, os limites federais de material particulado foram superados na maior parte de dezembro e janeiro.
As escolas usaram bandeiras para indicar quando as crianças deviam brincar em espaços fechados.
O impacto foi especialmente grave para os agricultores e pecuaristas. "Tenho amigos com a terra arada, prontos para semear", disse Darrell Pursel, um agricultor no sul de Yerington, Nevada. "Mas o que vamos plantar? Neste momento, parece que não teremos água. A menos que chova muito, sei que não vou plantar nada."
A Extensão Cooperativa da Universidade da Califórnia realizou uma sessão de sobrevivência à seca em Browns Valley, a cerca de cem quilômetros ao norte de Sacramento, que atraiu centenas de fazendeiros. "Temos pessoas que viajaram seis ou sete horas para participar", disse Jeffrey James, que dirigiu a sessão.
Dan Macon, 46, criador de gado em Auburn, Califórnia, disse que a situação está "tão ruim como nunca vi. A maior parte das nossas terras está basicamente sem pasto".
A cada nascer de sol calcinante, a sensação de alarme aumenta entre sinais de que esta é uma seca que só acontece a intervalos de séculos. A cobertura de neve da Sierra Nevada, que fornece grande parte da água da Califórnia durante a estação seca, estava com apenas 12% do volume normal na última semana de janeiro, refletindo a falta de chuva ou neve desde dezembro.
"Quando não temos chuva em nossos dois meses principais, realmente estamos em má situação", disse Dar Mims, meteorologista do Conselho de Recursos do Ar. Enquanto as autoridades entram em ação, pessoas que já passaram por outras secas -embora nenhuma tão grave quanto esta- disseram que estão fazendo triagem em seus jardins (regar o carvalho, e não a grama) e tomando banhos de chuveiro do tipo "liga-desliga, liga-desliga".
Jacob Battersby, produtor de Oakland, disse que começou a racionar mesmo antes do anúncio das restrições voluntárias.
"Minha mulher e eu gostamos de jardinagem", escreveu em um e-mail. "Mas, desculpem, plantas. Vocês não terão nada para beber neste inverno."


Reprodução de notícia do The New York Times, na Folha de São Paulo.

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