quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Famílias do crime organizado disputam mercado do narcotráfico em Israel


Há uma década, nos últimos meses da segunda Intifada, quando uma bomba explodia em Tel Aviv, o pânico invadia as ruas diante da recorrência dos ataques palestinos, e as investigações da polícia e do exército de Israel se concentravam imediatamente em células armadas na Cisjordânia ou em Gaza. Hoje, entretanto, quando uma nova explosão sacode as ruas de uma de suas cidades, os israelenses dão por certo que uma das sete grandes famílias mafiosas do país é responsável pelo ataque e que provavelmente os mortos são associados a um clã rival, em ajustes de contas que aumentaram notadamente em frequência e intensidade nos últimos meses.
Israel é um país fortificado e preparado de sobra para enfrentar as ameaças do Hizbollah no Líbano, Hamas em Gaza ou Al Qaeda no Sinai. Mas das portas para dentro a polícia israelense ficou desorientada, sem os recursos suficientes ou o preparo necessário para conter a ascensão do crime organizado. Desde outubro passado, oito pessoas morreram em 12 ataques mafiosos, segundo a polícia. A imprensa israelense eleva a 20 o número de agressões. Em muitos casos foram empregados explosivos que haviam sido roubados de bases do exército israelense.
Só na segunda semana de fevereiro três carros-bombas explodiram nas imediações de Haifa, Tel Aviv e Petah Tikvah, com um saldo de três mortos. Na última dessas localidades, dois homens morreram no que na gíria policial se conhece como acidente de trabalho: estavam transportando explosivos para atacar um clã rival, mas estes explodiram acidentalmente perto de um colégio e uma creche.
As bombas são o meio preferido, mas não o único, desses clãs mafiosos para saldar contas. Também há os tiroteios: em 15 de fevereiro passado, Taher Lala, natural de Jafa e 27 anos, foi abatido a tiros em pleno dia quando dirigia um BMW branco pelo passeio marítimo de Tel Aviv, uma das zonas turísticas mais movimentadas da cidade.
"Desde o final de 2013 vimos um notável aumento na gravidade e violência desses incidentes", explica Micky Rosenfeld, porta-voz da polícia israelense. "Detectamos um aumento da pressão que as famílias criminosas sofrem para controlar seus próprios negócios, como a extorsão, o narcotráfico ou a lavagem de dinheiro. Por isso os ataques entre esses clãs aumentaram e se tornaram mais brutais", acrescenta essa fonte.
Desde 2008 a polícia israelense conta com sua própria unidade de investigação do crime organizado, conhecida como Lahav 443 - apelidada de o FBI de Israel - que enfrenta desorientada essa intensificação do crime organizado. Seu superintendente, o major-general Menashe Arviv, demitiu-se na semana passada depois de ser acusado de ter aceitado subornos de um rabino quando servia como adido policial na Embaixada de Israel em Washington.
A polícia afirma que só em 2013 prendeu 500 pessoas posteriormente acusadas pela promotoria de relacionar-se com as atividades da máfia israelense, que tem laços estreitos com organizações criminosas dos EUA e da Europa Oriental, sobretudo a Rússia.
Segundo estimativas da própria polícia, há dez anos 80% de seus recursos se destinavam a investigar e prevenir ataques terroristas palestinos e 20% à atividade criminosa cometida por israelenses. Hoje essas porcentagens se inverteram. E mesmo assim os corpos de segurança não têm agentes especializados suficientes em crime organizado, segundo os analistas.
"A falta de agentes e investigadores especializados é só um dos motivos [do apogeu mafioso]. Há outros, e o principal é uma estratégia de ação equivocada", explica Meir Gilboa, ex-chefe da unidade criminal da polícia israelense. "A polícia se concentra nos líderes do crime organizado, e não tenta desmantelar as organizações ou suas fontes de financiamento. As organizações continuam funcionando quando seus dirigentes estão na prisão e esses líderes podem continuar exercendo da prisão porque o dinheiro continua fluindo. Além disso, enquanto cumprem pena, as guerras entre os clãs se intensifica, porque cada organização quer aproveitar o fato de que o líder rival está preso."
Muitos líderes das sete grandes famílias do crime organizado israelense, como os Abergil ou os Alperon, morreram em anos passados também pelo método carro-bomba colocado por clãs rivais. Como são acionados à distância, é difícil abrir processos criminais pois normalmente a promotoria dispõe de longas listas de suspeitos, mas não de provas incriminatórias.
Durante muito tempo a dúvida dos serviços de segurança israelenses foi a procedência desses explosivos. Todas as fronteiras de Israel estão ferreamente guardadas por seu exército, sobretudo desde que, há um ano, o governo completou uma sofisticada cerca de segurança no limite com o Sinai egípcio, até então a via tradicional de tráfico de pessoas, armas e drogas. Mas há pouco tempo o diretor da polícia, Yohanan Danino, revelou a conclusão a que chegou: "Em muitos casos esses explosivos procedem das forças de defesa de Israel", admitiu. Seu porta-voz, Rosenfeld, completa: "Os criminosos buscam material de qualidade e confiável, por isso roubam do exército".
Segundo explicam fontes militares israelenses a este jornal, "nos últimos anos se pôde observar uma tendência de roubo de diversas armas, mas o fenômeno continua mínimo". "Como não se sabe a que mãos chegarão essas armas, o exército israelense leva essas investigações muito a sério", acrescentam.
Danino, o chefe policial, afirma que sua intenção é tratar o crime organizado como se tratou há uma década os responsáveis da Intifada. "Todos são terroristas", manifestou recentemente. Pouco depois, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu o incitou a "levar à prisão e logo" esses líderes mafiosos. Segundo o Serviço de Prisões de Israel, há 20 mil pessoas internadas em seus centros penitenciários. Destas, 5 mil são palestinos. Isso em um país de 7,9 milhões de habitantes.

Reportagem de David Alandete, para o El País, reproduzida no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

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