No leste e no oeste, a espera pela água
Escassez de água faz ponto turístico do Irã desaparecer
Por THOMAS ERDBRINK
LAGO URMIA, Irã - Depois de dirigir por 15 minutos sobre o leito daquele que já foi o maior lago do Irã, um funcionário ambiental local desceu da sua caminhonete e começou a caminhar pela grande planície seca, como se procurasse a água que ele sabia que nunca iria encontrar.
Uma hora antes, o funcionário, Hamid Ranaghadr, tinha recordado como, há apenas uma década, navios de cruzeiro repletos de turistas singravam as águas do lago à procura de bandos migratórios de flamingos.
Agora, os navios estão enferrujando na lama, e os flamingos voam sobre os restos do lago rumo a outro lugar. Segundo o órgão ambiental local, restam apenas 5% da água.
O Irã está enfrentando uma escassez de água potencialmente tão grave que os funcionários estão fazendo planos de contingência para o racionamento na área metropolitana de Teerã, com 22 milhões de habitantes, e outras grandes cidades. O presidente Hasan Rowhani identificou a água como uma questão de segurança nacional e, em discursos em áreas atingidas mais duramente pela escassez, prometeu "trazer a água de volta".
Especialistas citam a mudança climática, as práticas perdulárias de irrigação e o esgotamento dos lençóis freáticos como fatores que causam a escassez hídrica. No caso do lago Urmia, eles acrescentam a conclusão das obras de uma série de barragens que estrangularam um grande suprimento de água doce que flui das montanhas de ambos os lados do lago.
Enquanto caminhava pelo leito seco, Ranaghadr contou que, há apenas alguns anos, a água aqui tinha nove metros de profundidade. À distância, manchas de terra -outrora ilhas onde os turistas passavam férias em bangalôs com vista para as águas azuis- aparecem cercadas de planícies de lama marrom e areia.
Os problemas hídricos do Irã vão muito além do lago Urmia, que, sendo um lago salgado, nunca teve água adequada ao consumo humano ou à agricultura. Outros lagos e grandes rios também vêm secando, o que motiva disputas sobre direitos hídricos e protestos.
Os principais rios próximos a Isfahan, no centro do Irã, e Ahvaz, perto do golfo Pérsico, já secaram, como ocorreu com o lago Hamoun, na região da fronteira com o Afeganistão. A poeira dos leitos secos contribui para os níveis de poluição atmosférica no Irã, que abriga quatro das dez cidades mais poluídas do mundo, segundo a ONU.
Mas em nenhum lugar a crise é mais pronunciada do que no lago Urmia, que já foi um dos maiores lagos salgados do mundo. Ambientalistas alertam que o sal seco poderá envenenar terras agrícolas valiosas ao redor do lago, tornando a vida difícil para os 3 milhões de habitantes da região. Ao longo do que era antigamente um bulevar na orla lacustre, lanchonetes e vestiários deteriorados são o testemunho dos dias em que pessoas de todo o Irã visitavam o lago para praticar esqui aquático ou se cobrirem com sua lama negra, dotada de supostas propriedades curativas.
Há cerca de duas décadas, Mokhtar Cheraghi, morador de uma aldeia local, começou a notar o recuo da água. "Primeiro cem metros, depois duzentos metros. Depois de um tempo, não conseguíamos mais ver a orla", disse ele, de pé no seu antigo bar. "Ficamos esperando a água voltar, mas ela nunca voltou."
A maioria das pessoas da área atribui o desaparecimento do lago às seis barragens que o governo construiu na região. As represas reduziram bastante o fluxo de água nos 11 rios que alimentam o lago.
A meia hora de carro da cidade de Urmia, morro acima, fica a represa de Chahchai, onde se acumula a água que do contrário chegaria ao lago. A barragem tem agora um enorme lago, que os agricultores locais usam para irrigar suas terras. "Parte da água do Urmia está aqui", disse Ranaghadr.
Além de produzir eletricidade, as barragens têm como objetivo resolver a escassez de água. Mas, muitas vezes, a água é desperdiçada por meio de técnicas de irrigação ineficientes, segundo os especialistas.
Em seu livro de 2005 sobre os desafios de segurança nacional para o Irã, Rowhani estimou que 92% da água iraniana seja usada para a agricultura, em comparação a 80% nos EUA. "Eles abrem a torneira e inundam a terra, sem entender que no nosso clima a maior parte da água se evapora desse jeito", disse Ali Reza Seyed Ghoreishi, membro do conselho local de gestão hídrica. "Precisamos educar os agricultores."
O lago também foi atacado pelo subsolo. Como parte da iniciativa do governo para promover a agricultura local, grandes propriedades foram divididas em lotes menores, e a maioria dos novos proprietários cavou novos poços, absorvendo a maior parte da água subterrânea. "Há cerca de 30 mil poços escavados legalmente e uma igual quantidade de poços ilegais", disse Ghoreishi. "Como a água está diminuindo, eles têm de cavar cada vez mais fundo."
As mudanças climáticas, particularmente o aumento da temperatura, também desempenham um papel. As temperaturas médias ao redor do lago Urmia subiram cerca de 1,7°C nos últimos dez anos, segundo estatísticas.
Enquanto um longo período de seca na região parece ter terminado há dois anos, o aumento das chuvas não compensou os outros fatores que estão drenando o lago. "A culpa é de todos nós", disse Ranaghadr. "Há simplesmente gente demais hoje em dia, e todo mundo precisa usar a água e a eletricidade que as barragens geram."
De volta ao escritório, os funcionários falavam como soldados em uma missão condenada ao fracasso. Eles disseram que já elaboraram 19 planos para salvar o lago, que vão do sensato (educar os agricultores a respeito das novas tecnologias de irrigação) ao fantasioso ("semear" nuvens para aumentar a precipitação).
O governo Rowhani, carente de verbas por causa do impacto das sanções internacionais contra o programa nuclear do Irã, não disponibilizou até agora nenhuma verba para a restauração do lago.
Mesmo se o fizesse, dizem as autoridades, seria provavelmente tarde demais para salvar o lago Urmia. "Você sabe qual é o verdadeiro problema?", disse Ranaghadr. "No mundo todo, todo mundo só pensa em dinheiro. Nós pensávamos também, e agora o nosso lago se foi."
Reprodução de notícia do The New York Times, na Folha de São Paulo.
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