terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Camelos revelam anacronismo na Bíblia


Camelos revelam anacronismo na Bíblia
Por JOHN NOBLE WILFORD

Os camelos provavelmente não tiveram grande (ou qualquer) participação na vida dos primeiros patriarcas como Abraão, Jacó e José, que viveram na primeira metade do segundo milênio antes de Cristo.
De todo modo, as histórias sobre eles mencionam esses animais mais de 20 vezes. Gênese 24, por exemplo, fala sobre o criado de Abraão que vai de camelo procurar uma mulher para Isaac. Esses anacronismos são evidência de que a Bíblia foi escrita ou editada muito depois dos fatos que narra e nem sempre é confiável como história verificável. As histórias de camelos "devem ser vistas como projeções retroativas de um período muito posterior", disse Noam Mizrahi, estudioso israelense da Bíblia.
O doutor Mizrahi comparou essa prática a um relato de fatos medievais que se desvia para descrever que "as pessoas na Idade Média usavam carroças fechadas para transportar produtos entre os reinos europeus".
Para dois arqueólogos da Universidade de Tel Aviv, os anacronismos foram motivo para eles procurarem ossos de camelo enterrados em um antigo campo de fundição de cobre no vale de Aravah, em Israel, e em Wado Finan, na Jordânia. Eles buscavam provas de quando os camelos domesticados foram introduzidos na terra de Israel e na região circundante.
Os arqueólogos, Erez Ben-Yosef e Lidar Sapir-Hen, usaram datação com radiocarbono para identificar os mais antigos camelos conhecidos em Israel no último terço do século 10° a.C., "séculos depois que os patriarcas viveram e décadas depois do reinado de Davi, segundo a Bíblia". Ossos encontrados em sedimentos mais profundos, disseram eles, provavelmente pertenceram a camelos selvagens que as pessoas caçavam para comer. O doutor Sapir-Hen pôde identificar um animal doméstico por sinais nos ossos das pernas de que ele tinha transportado cargas pesadas.
As descobertas foram publicadas na revista "Tel Aviv".
Os arqueólogos disseram que a origem do camelo doméstico provavelmente ocorreu na península Arábica, que faz fronteira com o vale de Aravah. Os egípcios exploraram os recursos de cobre lá e provavelmente ajudaram a introduzir os camelos. Antes, a população da região contava com mulas e burros como animais de carga.
"O camelo permitiu o comércio em longa distância pela primeira vez, até a Índia, e o comércio de perfume com a Arábia", disse Ben-Yosef.
O doutor Mizrahi, professor de estudos de cultura hebraica na Universidade de Tel Aviv, que não participou diretamente da pesquisa, disse que no século 7° a.C. os camelos já eram amplamente utilizados no comércio e em viagens em Israel e em todo o Oriente Médio, da África até à Índia. Essa veio a ser a época em que as histórias patriarcais foram escritas. "Deve-se tomar cuidado para não tirar conclusões apressadas de que as novas descobertas arqueológicas renegam o valor histórico das histórias bíblicas", disse.
No que diz respeito às imagens dos três Reis Magos vindos do Oriente em camelos até o estábulo em Belém, sejam quais forem as incertezas da história, pelo menos uma coisa é clara: nessa época o camelo doméstico não era mais um anacronismo.


Reprodução de texto do The New York Times, na Folha de São Paulo

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