Sentado em seu consultório no único hospital judaico de Teerã, o doutor Ciamak Morsadegh acendeu mais um cigarro e lembrou que sua mulher deixou o Irã e foi para os EUA depois que ele insistiu em ficar.
Morsadegh, diretor do Hospital e Centro de Caridade Dr. Sapir, na capital iraniana, disse que, diferentemente de milhares de judeus, ele nunca pensou em deixar a República Islâmica, pelo simples motivo de que o Irã é seu lar.
"Eu falo inglês e rezo em hebraico, mas penso em persa", disse Morsadegh, um cirurgião que também é deputado. "Sou iraniano. Iraniano-judeu."
Muitos ficaram surpresos na semana passada, quando o governo do presidente Hasan Rowhani doou US$ 400 mil para o Hospital Sapir, mas Morsadegh não foi um deles.
"Nós, judeus, fazemos parte da história do Irã", disse. "O que é importante é que Rowhani faz um grande estardalhaço com a ajuda que nos dá. Ele está mostrando que nós, como minoria religiosa, também fazemos parte deste país."
Situado na rua Mostafa Khomeini - nome do filho do fundador da República Islâmica, aiatolá Ruhollah Khomeini -, o hospital fica em frente à escola Seminário Imam Reza, um dos mais antigos seminários xiitas de Teerã. Religiosos de turbante branco passam falando em tom baixo com seus alunos. Embora o hospital possa parecer deslocado, os moradores não pensam assim.
"Quando estou doente, é só atravessar a rua", disse o seminarista Mohammad Mirghanin, enquanto corria para as aulas. "Eles podem ter uma religião diferente, mas são iranianos como eu. Não vejo por que eu não deva ir ao hospital judaico."
No sábado (8), uma mulher vestindo um tradicional chador (túnica) preto se aproximou do diretor do hospital, Khoddad Asnashahri, um muçulmano, e pediu ajuda.
"Fui ao hospital Imam Khomeini com minha filha, que precisa de um ultrassom, mas lá ele custa 500 mil tomãs", ou aproximadamente US$ 200, disse a mulher, Zahra Hajabdolmaleki.
"Vamos ajudá-la pela metade desse preço", prometeu Asnashahri.
Batizado com o nome de um médico judeu que morreu em 1921 enquanto tratava pacientes de uma epidemia de tifo que assolou Teerã, o hospital começou como uma clínica onde todos os iranianos podiam procurar assistência médica por preços muito reduzidos. Há mais de 50 anos, ele é um ponto de encontro de judeus e muçulmanos iranianos, e a mais importante instituição de caridade judaica do país.
Asnashahri, que trabalha no hospital há quase 40 anos, elogiou a "boa atmosfera", enquanto também notou que só restam ali cinco médicos judeus. "Muitos migraram e outros compraram ações em hospitais mais modernos", disse.
Cerca de 96% dos pacientes são muçulmanos, assim como a maioria dos funcionários do hospital. Mas o mais importante, segundo ele, é a mensagem de que "aqui todo mundo pode vir, não importa a religião, cor ou raça".
Embora a população de judeus no Irã esteja diminuindo - hoje são cerca de 9.000, segundo o censo oficial do Centro de Estatísticas do Irã, mas outras estimativas chegam a 20 mil -, o país tem o maior número de judeus no Oriente Médio, depois de Israel.
O cirurgião Morsadegh dedicou sua vida a essa comunidade cada vez menor. Foi um líder do Comitê Judaico de Teerã, grupo que apoia sinagogas, escolas e outras facetas da vida judaica no Irã, e em 2008 foi eleito o representante judeu no Parlamento, onde cinco minorias religiosas oficiais têm assento permanente.
Ele não acha que a situação dos judeus e das outras minorias religiosas oficiais - cristãos armênios, assírios, caldeus e zoroastrianos - seja perfeita no Irã. As cinco minorias gostariam que fosse modificada uma lei islâmica que permite que um membro de sua fé que se converter ao islã receba toda a herança de sua família não muçulmana, por exemplo. Mas as coisas são piores para os cristãos evangélicos e os bahais, que podem enfrentar penas de prisão e em muitos casos exclusão da educação superior.
Morsadegh disse que o ex-primeiro-ministro Mahmoud Ahmadinejad, ao negar repetidamente o Holocausto, também deixou marcas psicológicas.
"Veja, todos os judeus acreditam no Holocausto", disse ele. "Teria sido muito melhor se o presidente não tivesse levantado o assunto."
Rowhani permaneceu em silêncio sobre o mesmo, e em setembro sua equipe de mídia social desejou aos judeus do mundo todo um feliz Rosh Hashana.
"As coisas melhoraram muito", disse Morsadegh, lembrando que milhares de judeus deixaram o país depois da revolução de 1970. Muitos outros emigraram desde então, muitas vezes por causa da má situação econômica.
Apesar de o Hospital Dr. Sapir ser propriedade de judeus, não há muita coisa que lembre o legado judaico. Na parede do consultório de Morsadegh há dois retratos dos líderes do Irã, o atual e o passado, diante de uma pintura de Moisés mostrando os Dez Mandamentos.
Em setembro, Morsadegh acompanhou Rowhani em sua visita à ONU, em Nova York. Alguns iranianos sugeriram uma conexão entre a doação financeira feita pelo presidente ao hospital e a defesa entusiástica do médico ao Irã e à posição dos judeus no país.
Mas Morsadegh não se incomoda com essas questões.
"Eu ajudei na guerra com o Iraque, como médico de pronto-socorro", disse ele. "E o faria de novo amanhã."
Reportagem de Thomas Erdbrink para o The New York Times, reproduzida no UOL. Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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