À enorme divisão política na Venezuela, já tratada aqui (folha.com/no141491), soma-se um abismo geográfico entre a Caracas do Leste, que protesta quase diariamente, e a do Oeste, normalmente violenta ao extremo, mas que, em comparação ao Oriente, está calma nestes dias de "guarimba", como seus habitantes chamam a confusão que se estabeleceu do outro lado.
A diferença é retratada por Airam Fernández no "Últimas Notícias":
"O Oeste parece outra cidade. Em zonas populares como 23 de Janeiro, Catia e Propatria, a realidade não é a mesma de Chacao, Altamira ou Los Ruices [os bairros de classe média e alta do lado oriental]. Nesta metade da capital, os vizinhos não adotam a 'guarimba' nem fecham as ruas em sinal de protesto".
Mas, atenção, o silêncio dos bairros populares não quer dizer satisfação com os rumos da chamada revolução bolivariana. Airam Fernández informa, também, que os moradores de 23 de Janeiro, Catia e Propatria "confessam que se unem à atividade que, durante as noites, ensurdece os habitantes: 'cacerolear'" (bater panelas em sinal de protesto).
Se é assim, por que não se unem à "guarimba"? Simples: porque, "para as pessoas que conheço neste lado da cidade, os protestos têm pouco a ver com resolver seus problemas, e muitos acreditam que só tornarão as coisas piores", depõe Rebecca Hanson, blogueira norte-americana que mora e faz pesquisas em Catia, bastião chavista.
Mais: "Há uma percepção amplamente aceita pelos chavistas de que a oposição deseja ir a qualquer extremo –açambarcar comida, destruir infraestrutura etc.– para recuperar o poder que perdeu sob Chávez".
Essa percepção é a que o governo vende e não está completamente longe da verdade.
A ala da oposição liderada por Leopoldo López, hoje preso, acha de fato que as manifestações de rua são o caminho para defenestrar Nicolás Maduro. Outro grupo, liderado por Henrique Capriles, prefere acumular forças para bater o governo nas urnas, a única maneira democrática de fazê-lo.
A desconfiança em relação aos "guarimberos" no lado ocidental de Caracas "não quer dizer que as tensões não sejam altas nem que os chavistas não estejam desiludidos", completa Rebecca.
Reforça Rory Carroll no "Guardian", um raro jornal do Ocidente que não é hostil ao chavismo:
"Esta pretensa alternativa ao capitalismo é uma casca. Enfrenta uma ameaça existencial não dos jovens cantando nas praças, mas do fato de que a Venezuela é uma ruína disfuncional, caótica e em desintegração", escreve Carroll, correspondente em Caracas por seis anos.
De fato, uma inflação de 56%, desabastecimento agudo e uma criminalidade fora de controle tornariam a situação caótica mesmo que não houvesse a "guarimba".
De todo modo, na agenda de prioridades do governo, tem que estar mesmo o controle das manifestações, antes que os outros problemas, preexistentes, se agravem ainda mais e levem o lado Oeste a trocar os "cacerolazos" pela "guarimba".
Reprodução de texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
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