Entro na loja de vinhos do outro lado da avenida e vejo que a moça do caixa e um dos donos do negócio se divertem diante de uma TV. "Eu acho que isso é no Brasil", me diz ele –um americano que já visitou Rio, São Paulo e Bahia. Volto-me para o aparelho pendurado na parede, e a cena é mesmo punk –ou melhor, funk: num lugar parecido com uma favela carioca, um grupo fardado de policiais militares dança, pula e faz trejeitos ao som do pancadão. Com certo constrangimento, pago a conta e comento com ironia: "É, a polícia no Brasil é muito alegre".
Não sei se a dupla da loja de vinhos chegou a ver, mas na semana passada, a colunista Vanessa Barbara publicou no "New York Times" um artigo em que procurava explicar como funciona –ou não funciona– a polícia brasileira.
A distância de casa, o fato de o texto ser em inglês e o esforço didático da articulista para contemplar o leitor americano só realçaram, aos meus olhos, o surrealismo da situação. Pareceu-me um relato sobre um longínquo país que inventou uma maneira exótica –e ineficaz– de cuidar da segurança pública.
Bem, na verdade, acho que era isso mesmo.
Já escrevi aqui, não faz muito, sobre a polícia brasileira, e não pretendia voltar ao assunto. Mas a PM não deixa a peteca cair. No fim de semana, encenou-se mais uma vez em São Paulo um showzinho de violência gratuita contra manifestantes e jornalistas.
Claro que o assunto, em blogs, colunas e redes sociais, serve para alimentar a guerrilha eleitoral e ideológica de cada dia. Para uns, que se baixe o cassetete –ou o braço– "democrático" nessa gentalha. Para outros, tudo é culpa da "polícia do Alckmin", fascista e conservadora.
Mas qual é, enfim, na essência, a diferença entre a "polícia do Alckmin", a "polícia do Sérgio Cabral" ou a "polícia do Jaques Wagner"? Só se for o sotaque –como responderam dois amigos quando postei a pergunta no Facebook.
A partidarização desse debate é papo furado. É preciso reconhecer que a desmilitarização e a transformação da polícia em serviço público eficiente e enquadrado na lei é uma questão nacional. É um velho problema "de Estado", que seguidos governos federais –FHC, Lula e agora Dilma– relegaram a segundo plano.
Já existe hoje um processo de discussão relativamente avançado, temos fóruns e gente preparada para apresentar propostas. O que não temos é o interesse político e institucional em promover mudanças.
Não precisa ir longe: levantamento da Folha mostrou que nenhum caso de violência de policiais contra manifestantes ou jornalistas, desde junho do ano passado, foi apurado. Tudo ficou esquecido na conta dos "excessos" –como bem observou Mário Magalhães em seu blog. Apenas a investigação de episódios em que policiais foram agredidos seguiu adiante.
Por essas e outras, às vezes me pergunto se são os governantes brasileiros que controlam a polícia ou se é o contrário.
Por essas e outras, às vezes me pergunto se são os governantes brasileiros que controlam a polícia ou se é o contrário.
Texto de Marcos Augusto Gonçalves na Folha de São Paulo.
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