sábado, 17 de maio de 2014

Novos velhos tempos ruins para a Guatemala?


Faz apenas um ano desde que um tribunal condenou o general Efraín Ríos Montt, um ex-presidente da Guatemala, por genocídio, um passo saudado como um avanço para a frágil democracia do país. Mas o progresso obtido com dificuldade pelo país está começando a ruir; se nada for feito, o país poderia voltar ao autoritarismo, violência e desrespeito pelos direitos humanos básicos.

O julgamento do general Ríos Montt, que, na condição de presidente não eleito de 1982 a 1983, supervisionou o assassinato de dezenas de milhares de guatemaltecos, foi a primeira vez na história que um chefe de Estado em qualquer lugar foi julgado e condenado por genocídio em um tribunal doméstico. Também deveria ser um grande momento de virada para a Justiça da Guatemala, que, até recentemente, punia apenas 2% de todos os crimes.

Mas menos de duas semanas depois, o veredicto foi anulado por motivos processuais. A decisão foi uma decepção cruel para as vítimas do regime do general Ríos Montt, já que o julgamento aumentou suas expectativas, e um alívio imenso para ex-líderes militares, que temiam ser os próximos a serem julgados, e para os poderosos empresários que financiaram a guerra civil no país.

Mesmo assim, enquanto a Guatemala desaparecia das manchetes, teve início uma grande mobilização política e manobras. Os pobres, que foram os que mais sofreram com o regime do general Ríos Montt, foram encorajados pelo julgamento e realizaram uma manifestação em massa quando o veredicto foi anulado.

Apesar do resultado decepcionante, a maioria indígena do país acreditou que a Justiça poderia de fato funcionar a seu favor, que suas vozes poderiam ser ouvidas e seus direitos respeitados. Desde então, há protestos constantes e organizados de modo cada vez mais desafiador  por camponeses nas áreas rurais da Guatemala, especialmente nas regiões atormentadas por conflitos de terras e tensões em torno da construção de usinas hidrelétricas e mineração.

Mas a elite do país, ameaçada pela ideia de um Judiciário que possa trabalhar contra ela e pelo crescente ativismo dos camponeses, logo reagiu. A Ordem dos Advogados Guatemalteca primeiro investiu contra a juíza que decidiu contra o general Ríos Montt, revogando temporariamente sua licença para praticar Direito. Então, no mês passado, gravações secretas vieram à tona na imprensa guatemalteca nas quais vários políticos e advogados podiam ser ouvidos subornando e chantageando uns aos outros, em um esforço para nomear juízes tendenciosos para o Supremo e os tribunais de apelações.

Grupos empresariais também fizeram manobras nos bastidores para pressionar o tribunal constitucional e forçar a saída de Claudia Paz y Paz, a procuradora-geral que tem sido a porta-bandeira dos reformistas ao processar chefes de quadrilha e generais.

A comissão que foi criada para nomear um novo procurador-geral removeu Paz y Paz da lista de candidatos, apesar de sua própria avaliação a classificar como a segunda candidata mais qualificada. Ao ser perguntado se a política interferiu no processo, o presidente da comissão reconheceu, "É possível".

Então, em 10 de maio, no primeiro aniversário da condenação por genocídio, o presidente Otto Pérez Molina nomeou a advogada Thelma Aldana como a nova procuradora-geral. A decisão foi um tapa na cara dos reformistas: Aldana era acusada de ter laços estreitos com o partido político antes comandado pelo general Ríos Montt e com a atual vice-presidente, Roxana Baldetti, que foi exposta pela imprensa guatemalteca por ter feito uso de seu cargo para enriquecimento pessoal.

As declarações de Aldana também são preocupantes: ela critica abertamente sua antecessora, Paz y Paz, que ela descreve como tendo "favorecido a esquerda política", e destacou sua disposição de considerar a concessão de anistia aos militares guatemaltecos que participaram de crimes de genocídio durante a guerra civil.

Enquanto isso, o governo e os ricos proprietários de terras não perdem tempo em empregar violência para colocar os camponeses em seu devido lugar. Em vez de dialogar com os manifestantes, o presidente os rotulou abertamente como criminosos e terroristas. Nesse clima, não causa surpresa o fato de a Guatemala ter sido classificada como o lugar mais perigoso no mundo para ser um ativista: dezoito defensores de direitos humanos, a maioria ativistas camponeses, foram mortos no ano passado –o número mais alto de ataques contra líderes ativistas desde o fim da guerra civil.

No início de abril, os seguranças de um rico proprietário de terras atiraram contra seis camponeses desarmados que protestavam contra a construção de uma hidrelétrica. Em outro incidente duas semanas depois, agressores armados assassinaram uma menina de 16 anos, que era a líder de um movimento jovem antimineração, e feriram gravemente seu pai, que organizava sua comunidade para votar contra um projeto local de mineração.

Apesar de tudo isso, o restante do mundo se manteve em silêncio. Distraídos pelos conflitos na Ucrânia e na Síria, os Estados Unidos não repuseram seu embaixador na Guatemala, uma posição que continua vaga desde outubro.

Uma comissão da ONU que foi fundamental para derrubar os chefes do crime organizado está se aproximando do término de seu mandato no país, e não há nada planejado para substituí-la. O presidente Molina, que no passado fez lobby no Congresso guatemalteca para a manutenção da comissão no país, desta vez está em silêncio, e nem os Estados Unido e nem a ONU o pressionaram a respeito.

Abandonados e isolados, os pobres da Guatemala foram deixados para se virarem por conta própria contra pessoas que veem qualquer passo visando um sistema mais justo e funcional como uma ameaça à sua sorte e seu legado. Sem um olhar vigilante do exterior, estas últimas conseguiram voltar ao seu antigo comportamento, assegurando a permanência de estruturas injustas, que atendem suas necessidades, mesmo que isso provoque crescente inquietação, polarização e violência.


Texto de Anita Isaacs, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

*Anita Isaacs é professora de ciência política do Haverford College e autora do futuro lançamento "From Victims to Citizens: The Politics of Transitional Justice in Postwar Guatemala"

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