quarta-feira, 14 de maio de 2014

Muçulmanos da Índia dizem temer provável novo premiê


Muçulmanos da Índia dizem temer provável novo premiê
Em vila alvo de massacre em 2013, vitória de Modi é vista com preocupação
Político oposicionista é ligado a grupo radical hindu; membros das 2 religiões têm históricos de violência sectária
PATRÍCIA CAMPOS MELLOENVIADA ESPECIAL A MUZAFFARNAGAR

"Muçulmanos, voltem para o Paquistão! Vamos cortar vocês em pedaços."
Assim gritavam hindus ao chegar em setembro do ano passado a Muzaffarnagar, norte da Índia, no relato de moradores do local.
Segundo eles, casas do vilarejo foram depredadas e a mesquita, incendiada. Um idoso teve as mãos cortadas e foi morto com uma foice. Mulheres foram estupradas.
Antes que o grupo chegasse à casa dela, a muçulmana Zarina Khatoon, 65, fugiu em um trator com seus familiares e vizinhos.
A onda de violência na região deixou 150 mortos e 100 mil refugiados. "Disseram que, se a gente voltar para as nossas casas, vão matar todos os homens e manter as mulheres como escravas sexuais", conta Zarina, que mora há nove meses em um campo de refugiados com outros 3.000 muçulmanos.
Viúva, ela divide sua "casa" --feita de tijolos com teto de saco plástico-- com filha, filho, nora e dois netos.
A Índia tem 138 milhões de muçulmanos (11% da população). Boa parte deles atribui os sucessivos massacres que sofrem a Narendra Modi, oposicionista que deve ser o próximo primeiro-ministro do país. O resultado da eleição que se encerrou nesta semana será divulgado sexta.

DESCONFIANÇA

Modi era governador do Estado de Gujarat durante um massacre, em 2002, que levou à morte mais de mil pessoas, na maioria muçulmanos. Foi retaliação ao ataque a um trem de hindus em que 58 morreram, atribuído a muçulmanos.
O político é ligado a um grupo extremista hindu e foi acusado de ter incitado a violência enquanto a polícia assistia impassível.
No ano passado, uma investigação da Suprema Corte o inocentou, mas sua atitude ainda provoca desconfiança. Modi nunca pediu desculpas, tampouco condenou os ataques de hindus contra muçulmanos no massacre de Muzaffarnagar.
O Partido do Congresso, atualmente no poder, tentou explorar esse fato durante a campanha eleitoral para garantir o voto muçulmano.
Mas Modi tentou se distanciar dos nacionalistas hindus durante a campanha, enfatizando sua agenda de crescimento e criação de empregos.
"Quero perguntar aos muçulmanos pobres se eles querem brigar com hindus pobres, ou lutar contra a pobreza; vamos juntos derrotar a pobreza", disse o candidato em um comício.
Muitos analistas acham que ele será muito mais pragmático ao governar. Até um alto funcionário do atual governo acha que Modi não irá fazer um governo sectário.
"Ele terá todos os seus assessores o advertindo para não governar ouvindo os extremistas; além disso, já houve dois governos do BJP [partido de Modi] e não houve radicalização", disse o assessor, que não quis se identificar, à Folha.
Mas muitos líderes muçulmanos continuam desconfiados. "Narendra Modi e seus aliados estão dividindo o país em linhas religiosas", diz Syed Ahmed Bukhari, imã da mesquita Jama, a maior do país. "Os muçulmanos deste país precisam apoiar as forças laicas da Índia; uma vitória de Modi vai acabar com a formação laica do nosso país", declarou.
"Está em jogo o tipo de país que teremos --tolerante aos diferentes pontos de vista e religiões ou hostil aos muçulmanos", diz Siddhart Varadarajan, do Center for Public Affairs and Critical Theory.
Durante a chamada Partição da Índia, em 1947, houve uma migração forçada de 12 milhões de pessoas: a maioria dos hindus ficou na Índia, e a maioria dos muçulmanos, no Paquistão.


Reprodução da Folha de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário