terça-feira, 6 de maio de 2014

Assassinatos de mulheres em nome da honra persistem no Afeganistão


Uma fugitiva de 18 anos chamada Amina concordou, há duas semanas, em deixar o abrigo para mulheres no qual se refugiou, no norte do Afeganistão, e voltar para casa com seu irmão e seu tio.

O que aconteceu em seguida é um alerta para os dois jovens da província de Bamian que fugiram e continuam escondidos, enquanto alguns ativistas tentam persuadi-los a se entregarem.

Ela fugiu para evitar se casar com um homem ao qual sua família a prometeu à força, e concordou em voltar apenas depois que a família dela assinou garantias de que ela não seria ferida. Como reforço, o pai e o irmão dela repetiram sua promessa para uma câmera de vídeo no Ministério dos Assuntos das Mulheres na província de Baghlan, e ela partiu com eles.

Amina nunca chegou em casa. Horas depois de entrar no carro de sua família, um grupo de homens armados a arrancou do veículo e a matou a tiros, disseram o irmão e tio dela. Todos os demais ficaram ilesos.

Seja quem for o responsável --a polícia culpa a família do noivo rejeitado, mas ativistas de direito das mulheres acusam a família de Amina de ter planejado a morte dela--, Amina se transformou em mais outra vítima de "assassinato em nome da honra" para absolver algum tipo de vergonha familiar.
Rubina Hamdard, advogada de uma coalizão de grupos de defesa da mulher, a Rede das Mulheres Afegãs, estima que 150 casos de assassinato em nome da honra ocorram por ano no Afeganistão, com base em estatísticas mantidas nos últimos cinco anos. Menos da metade deles foi formalmente relatado e poucos terminam em condenação.

Foi um destino possivelmente semelhante que levou Zakia, 18, e Mohammad Ali, 21, a fugirem e se esconderem em março, por temerem que a família de Zakia os mataria porque ela recusou o marido escolhido pelo seu pai.

Nem Amina, Zakia e Mohammad Ali fizeram algo ilegal --ou, mais especificamente, contra os dois sistemas legais em vigor no Afeganistão: o corpo de leis civis aprovado ao longo da última década com assistência do Ocidente, ou o código islâmico clássico da Shariah, também transformado em lei. Ambos protegem os direitos das mulheres de não serem forçadas a se casarem contra sua vontade.

Mas, no Afeganistão, um terceiro sistema legal não escrito, não oficial, permanece difundido: a lei consuetudinária, os códigos tribais que persistiram teimosamente apesar dos esforços de reforma. "No Afeganistão, os juízes se atêm à lei consuetudinária, não dão atenção à Shariah, muito menos à lei civil", disse Shala Fareed, professora de direito da Universidade de Cabul.

Segundo os costumes predominantes aqui, os pais têm poder absoluto sobre suas filhas até se casarem, quando esse poder é transferido aos seus maridos. Eles podem casar as meninas ao nascerem, ou em qualquer idade, com ou sem a permissão delas, frequentemente as transformando em bens negociáveis para solução de dívidas familiares.

Uma violação aos costumes que não existe na lei escrita afegã é fugir de casa. Mesmo que a fugitiva tenha 18 anos, legalmente uma adulta, os tribunais impõem com frequência pena de prisão de um ano, com base exclusiva na lei consuetudinária. A Lei de Eliminação da Violência Contra as Mulheres do Afeganistão proíbe especificamente processar fugitivas.

"Não existe o crime de fugir de casa", disse Shukria Khaliqi, advogada e diretora do programa legal da Mulheres pelas Mulheres Afegãs, um grupo de ajuda que dirige os abrigos para mulheres. "Em alguns casos, os juízes não dão atenção nem mesmo à lei Shariah; eles a ignoram e dizem para a garota, 'Aqui não é a Europa e nem o Ocidente, não cabe a você, não importa se você seja adulta ou não'."

Apesar dos problemas com os tribunais, Khaliqi disse que é possível, particularmente em Cabul, onde os juízes têm melhor educação, vencer casos como os de Zakia e Mohammad Ali. Ela está em contato com eles para persuadir Zakia a deixá-la levar o caso à Justiça --o que significa que ela teria que voltar para um abrigo enquanto o caso é decidido.

Contatado por telefone em seu esconderijo não revelado, Mohammad Ali disse que o casal não foi persuadido. Zakia já passou seis meses em um abrigo em Bamian, sem alívio legal. "Ninguém leva a lei a sério neste país", ele disse.

As estatísticas sugerem o mesmo. Dos 4.505 casos de violência contra mulheres no ano passado --que inclui questões como "negação de relacionamento", ou tentar impedir que alguém escolha seu próprio marido ou esposa--, menos de 10% foram resolvidos por meio de processo legal, segundo o mais recente relatório do Ministério da Mulher. Quase metade dos casos foi abandonada ou resolvida fora do tribunal, frequentemente em detrimento da mulher. "Nós estamos seguros onde estamos", disse Mohammad Ali. "Ou deixaremos o país ou permaneceremos escondidos."

O irmão de Zakia, Gula Khan, 20, também contatado por telefone, não se arrepende das ameaças da família contra sua irmã. "Se fôssemos homens, já teríamos feito algo a esta altura", ele disse. "Ela realmente desonrou nossa família. Como eles ignoraram a lei, nós também deveríamos." Mas ele disse que a família não tem intenções violentas contra sua irmã. "Nós não sabemos se ela está viva ou morta", disse Khan. "Se estiver morta, nós queremos o corpo. Se estiver viva, nós queremos que volte para nós."



Reportagem de Rod Nordland, para o The New York Times, reproduzido no UOL Tradutor: George El Khouri Andolfato

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