Se 2016 fosse um livro, quem seria o autor? "Raphael Montes", ri o
escritor carioca, citando a si mesmo enquanto termina um hambúrguer
vegetariano em um restaurante do centro paulistano.
Seu terceiro romance, "Jantar Secreto", busca traduzir a angústia e o
fracasso de quem hoje tem seus 25 anos -mais ou menos a idade de Montes,
nascido em 1990. É a faixa mais atingida pela crise econômica no país:
cerca de 25% estão desempregados, segundo o IBGE.
"Tenho muitos amigos engenheiros, advogados bem formados e que estão
desempregados precisando de grana. Crescemos ouvindo 'estude que você
vai ser alguém'. E não é mais assim", ele diz.
Não é o caso dele, que fez sucesso precoce em livros como "O Vilarejo"
(Suma de Letras) e "Dias Perfeitos" (Companhia das Letras) -este último,
vendeu 24 mil exemplares desde 2014, bem fora da curva da ficção
nacional.
Também foi contratado como roteirista da Globo -colaborou com o seriado
de terror "Supermax" e desenvolve um novo projeto para 2018. E ainda
trabalha na adaptação de "O Vilarejo" para cinema.
"Jantar Secreto" conta a história de quatro amigos que saem do interior
do Paraná para tentar a vida no Rio. Em dado momento, entram em
desespero financeiro e a solução (sanguinolenta) é promover jantares
milionários em que servem carne humana.
"Eles se mudam para uma cidade grande com a promessa de que o Brasil
seria o país do futuro, com a Copa e a Olimpíada. Eles saem da faculdade
no momento em que tudo foi por água abaixo."
O narrador é o arrogante Dante; formado em administração, quer se tornar
um empreendedor de sucesso. O autor escolheu datar sua história: há
capítulos inteiros na forma de conversa em grupo de WhatsApp, viagens de
Uber e menções a hits do último álbum da Rihanna.
Dante acaba enriquecendo (e levando uma vida de noitadas, sexo casual e drogas) graças aos jantares canibais.
O tempero está em como o quarteto consegue os corpos e o que os leva a
organizar os convescotes; mas o tira-gosto é a reflexão sobre ética que
Montes levanta.
Vegetariano há dois anos,ele quis refletir sobre o paladar. "Será que
ele tudo perdoa e é desprovido de limites morais e éticos?"
Se a questão animal não torna esse romance policial um libelo do
vegetarianismo, ela é, por outro lado, um viés de leitura inevitável. Há
passagens chocantes sobre como seria o abate humano que são baseadas em
documentários sobre sofrimento animal.
O canibalismo em "Jantar Secreto" funciona sobretudo como uma metáfora
hiperbólica; é também uma crítica social à violência que mata os mais
pobres (adivinhe quem morre em postos policiais para abastecer a máfia
de corpos?), ponderando sobre o desprezo da vida humana pela alta
sociedade, que lambe os beiços saboreando a carne de desaparecidos.
Reportagem de Gabriela Sá Pessoa para a Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário