quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Raphael Montes usa canibalismo para fazer crítica à violência social em livro

Se 2016 fosse um livro, quem seria o autor? "Raphael Montes", ri o escritor carioca, citando a si mesmo enquanto termina um hambúrguer vegetariano em um restaurante do centro paulistano.
Seu terceiro romance, "Jantar Secreto", busca traduzir a angústia e o fracasso de quem hoje tem seus 25 anos -mais ou menos a idade de Montes, nascido em 1990. É a faixa mais atingida pela crise econômica no país: cerca de 25% estão desempregados, segundo o IBGE.
"Tenho muitos amigos engenheiros, advogados bem formados e que estão desempregados precisando de grana. Crescemos ouvindo 'estude que você vai ser alguém'. E não é mais assim", ele diz.
Não é o caso dele, que fez sucesso precoce em livros como "O Vilarejo" (Suma de Letras) e "Dias Perfeitos" (Companhia das Letras) -este último, vendeu 24 mil exemplares desde 2014, bem fora da curva da ficção nacional.
Também foi contratado como roteirista da Globo -colaborou com o seriado de terror "Supermax" e desenvolve um novo projeto para 2018. E ainda trabalha na adaptação de "O Vilarejo" para cinema.
"Jantar Secreto" conta a história de quatro amigos que saem do interior do Paraná para tentar a vida no Rio. Em dado momento, entram em desespero financeiro e a solução (sanguinolenta) é promover jantares milionários em que servem carne humana.
"Eles se mudam para uma cidade grande com a promessa de que o Brasil seria o país do futuro, com a Copa e a Olimpíada. Eles saem da faculdade no momento em que tudo foi por água abaixo."
O narrador é o arrogante Dante; formado em administração, quer se tornar um empreendedor de sucesso. O autor escolheu datar sua história: há capítulos inteiros na forma de conversa em grupo de WhatsApp, viagens de Uber e menções a hits do último álbum da Rihanna.
Dante acaba enriquecendo (e levando uma vida de noitadas, sexo casual e drogas) graças aos jantares canibais.
O tempero está em como o quarteto consegue os corpos e o que os leva a organizar os convescotes; mas o tira-gosto é a reflexão sobre ética que Montes levanta.
Vegetariano há dois anos,ele quis refletir sobre o paladar. "Será que ele tudo perdoa e é desprovido de limites morais e éticos?"
Se a questão animal não torna esse romance policial um libelo do vegetarianismo, ela é, por outro lado, um viés de leitura inevitável. Há passagens chocantes sobre como seria o abate humano que são baseadas em documentários sobre sofrimento animal.
O canibalismo em "Jantar Secreto" funciona sobretudo como uma metáfora hiperbólica; é também uma crítica social à violência que mata os mais pobres (adivinhe quem morre em postos policiais para abastecer a máfia de corpos?), ponderando sobre o desprezo da vida humana pela alta sociedade, que lambe os beiços saboreando a carne de desaparecidos.


Reportagem de Gabriela Sá Pessoa para a Folha de São Paulo

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