Lamentei não encontrar em nenhuma lista de livros do ano aquele que é, sem dúvida, um dos mais importantes lançamentos de 2016 no Brasil: "História Sociopolítica da Língua Portuguesa" (Parábola Editorial), de Carlos Alberto Faraco.
Professor aposentado da Universidade Federal do Paraná, da qual foi reitor, Faraco é um dos expoentes da sociolinguística brasileira. Isso quer dizer que se situa no campo oposto ao dos gramáticos normativos. Está interessado em compreender a língua pelo que ela é e não por aquilo que um comitê de sábios –quase todos portugueses– um dia decretou que deveria ser.
A sociolinguística é o saber dominante nas faculdades de letras há décadas, mas fora delas vive cercada de mal-entendidos. A incompreensão de sua mensagem –que é culturalmente vital e arejada, em oposição ao beletrismo lusófilo– é em parte um mal autoinfligido. Quando o rigor analítico dá lugar ao ativismo populista, abre-se a porta para a confusão.
Ao contrário do que grande parte da população imagina, a sociolinguística não hostiliza os falantes da norma culta nem defende o vale-tudo gramatical. O problema é que, tendo ouvido cantar um galo distante, seus militantes de rede social fazem exatamente isso.
O novo livro de Faraco é uma boa demonstração do que um olhar sociolinguístico rigoroso consegue elucidar sobre a língua. Entre ensaios acadêmicos e títulos didáticos e paradidáticos, o autor tem uma obra vasta, mas nunca havia empreendido um esforço de tamanho fôlego.
Com 400 páginas, "História Sociopolítica da Língua Portuguesa" é um livro de grande concisão. Tanto pelo que abrange cronologicamente, desde a ocupação da Península Ibérica pelos romanos, quanto pela multiplicidade de pontos de vista que convoca e examina ao longo do caminho.
Não me consta que algum dia tenha sido sequer tentada uma consolidação tão abrangente de estudos históricos sobre nossa língua. Só a bibliografia ocupa 18 páginas em letra miúda.
Mitos de raízes profundas são arrancados sem dó. Um exemplo de cascata em que eu acreditava: a de que a língua geral dos bandeirantes, um idioma mestiço de base tupi, foi extinta pelo Marquês de Pombal com uma canetada. Observa Faraco que uma crença como essa trai a "excessiva confiança que a cultura de raiz ibérica costuma pôr em textos legais".
As razões para que o idioma do colonizador tenha se imposto de forma tão categórica sobre as línguas gerais brasileiras –que eram duas, a paulista e a amazônica– são bem mais complexas. Tão complexas que não cabem aqui. Que fique a lacuna como estímulo à leitura do livro.
Não se trata de uma história pop, cheia de peripécias e colorido humano, como as que os canadenses Jean-Benoît Nadeau e Julie Barlow lançaram recentemente sobre o francês e o espanhol. Mesmo relatando episódios em que um floreio narrativo cairia bem, Faraco é um acadêmico de sobriedade invencível.
A boa notícia é que o livro passa longe do jargão. Ninguém precisa ser linguista para acompanhar a história de um dos idiomas mais importantes do mundo desde o nascimento até os desafios que enfrenta hoje –entre eles, os baixos índices socioeconômicos dos países que o falam e o fato de Brasil e Portugal ainda lutarem para vencer resistências paroquiais e coordenar ações comuns.
Texto de Sergio Rodrigues na Folha de São Paulo.
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