Coletânea 'Montevideanos' mostra sutilezas da alma uruguaia
SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES
DE BUENOS AIRES
Lançada em 1959, a coletânea "Montevideanos" foi uma das primeiras obras a projetarem o uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) como um dos principais autores latino-americanos do século 20. Já no ano seguinte, viria a consagração internacional, com o romance "A Trégua".
"Montevideanos" é composto por 19 contos que lançam um olhar por vezes piedoso, noutras mordaz e em quase todas melancólico sobre a classe média na "cidade de todos os ventos", como o autor chamava Montevidéu.
Escritos entre 1955 e 1961, funcionam como reflexão sobre a sociedade construída a partir dos tempos de bonança econômica, na década anterior, quando o país se industrializou e conheceu boas taxas de crescimento.
Um dos contos que melhor resumem "Montevideanos" é "Aquela Boca", em que um garoto suplica aos pais para ir ao circo ver os palhaços. A alegria de conseguir, porém, se torna desilusão, quando, ao ver de perto um palhaço, ele se dá conta da farsa.
"Carlos se viu junto a ele, tão perto que pôde distinguir a boca cansada do homem debaixo do riso pintado e fixo do palhaço." Enxugando as lágrimas na saída, o pequeno explica à mãe, confusa, que "chorava porque os palhaços não o faziam rir".
Mas é nos relatos que tratam do cotidiano que o autor retrata a alma de Montevidéu.
Em "O Orçamento", narra a alegria que toma os funcionários de uma modesta repartição que ouvem dizer que finalmente terão um aumento.
A euforia os faz gastar o dinheiro antes de a boa-nova ser confirmada. Meses passam e o tal aumento não vem. Endividados, tratam de tentar descobrir onde estava travada a decisão, mas acabam perdidos na labiríntica e inoperante máquina estatal.
Já "Sábado de Gloria" mostra o lado íntimo dessa rotina da cidade. Um casal típico, acomodado num matrimônio repetitivo e sem emoções desaba de uma só vez quando a moça adoece subitamente.
Há também histórias que questionam a ideia de que ser uruguaio no mundo era ser um provinciano longe de casa –conflito que Benedetti viveu, ao ter de se exilar devido à ditadura (1973-1985).
Por fim, o autor provoca a ideia disseminada de que Montevidéu é um lugar tranquilo, em que o tempo parece parado e em que as pessoas vivem numa só sintonia.
Cada conto de "Montevideanos" mostra algo das sutilezas da alma uruguaia, suas maldades e ternuras, fúrias, paixões, preconceitos e temores, emoções em movimento que permanecem encobertas, talvez até hoje.
Reprodução da Folha de São Paulo.
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