O romance "Arrecife", do mexicano Juan Villoro, desenrola-se em um resort do Caribe onde o principal atrativo oferecido aos turistas é flertar com o perigo. A programação inclui um conto de fadas às avessas: sequestros relâmpagos e emboscadas da guerrilha do narcotráfico em meio ao cenário de mar azul. Tais ações, no entanto, são comandadas por atores. É tudo mentirinha.
Esse tipo de "pós-turismo" retratado no livro não é ficção. Foi — como se diz mesmo? — baseado em fatos reais. Como existe aquele em que se organizam excursões para cruzar a fronteira do México com os Estados Unidos e provar a adrenalina de ser perseguidos.
Como também existia — antes do fracasso da política das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) — o passeio guiado pelos becos das favelas do Rio. Era uma maneira de se sentir perto do mundo do crime e das drogas, mas são e salvo. Pobreza, violência e doença vistas como distração para pessoas que se aborrecem com suas vidinhas.
A jornalista Cecilia Olliveira mostrou semana passada que a fazenda Santa Eufrásia, em Vassouras, no Vale do Paraíba, construída na década de 1830 e tombada pelo Iphan, explora um estranho turismo. Apesar do clima agradável e da natureza e arquitetura preservadas, o fascínio ali é a escravidão. Trajando roupas de época como se fosse uma sinhá-velha e acompanhada por mulheres negras vestidas como mucamas, a proprietária recebe os visitantes que pagam até R$ 65 para ser servidos à mesa pelas "escravas". Não se sabe se consta a opção pacote premium, com direito ao tronco e chicotadas no lombo.
Nos romances distópicos, os personagens não têm consciência de viver num lugar imaginário e opressivo ou de quão alienados eles estão. Aquele é o mundo deles, a bolha que lhes basta. Na chamada vida real, as pessoas sabem o que fazem?
Texto de Álvaro Costa e Silva, na Folha de São Paulo.
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