Não adianta apagar o ano e rumar o mais rápido possível para 2017, como
se fugir para a frente ajudasse em algo. Ao contrário, é preciso fixar
na memória que em 2016, numa grave decisão contrária à democracia
brasileira, o Congresso Nacional derrubou a presidente da República
legitimamente eleita e que não cometeu crime de responsabilidade.
Que profundas consequências advirão do golpe parlamentar ainda não
podemos saber, mas devemos, desde já, investigar como e por que ele se
deu. Lembro que 2016 começou com o impeachment politicamente morto.
Ficara claro que Eduardo Cunha dera curso ao processo porque o PT
decidira votar contra ele na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados.
Em consequência, foram um fiasco as manifestações de rua em dezembro de
2015 pela derrubada de Dilma. De que modo foi revertido o quadro? Quais
foram os agentes e dirigentes da reversão? Que meios utilizaram?
O grosso das operações golpistas ocorreu no primeiro semestre. Na
prática, a situação se resolveu entre 23 de fevereiro, quando foi preso o
marqueteiro João Santana, e 17 de abril, a data verdadeiramente
decisiva, em que o plenário da Câmara aprovou, por 367 a 137, a
continuidade do julgamento contra Rousseff. Os acontecimentos
posteriores constituíram apenas epílogo até o fatídico 31 de agosto em que ela caiu.
Se ajustarmos ainda mais os instrumentos de observação, veremos que o
processo se concentrou nos 20 dias que mediaram a detenção do já citado
propagandista das campanhas do PT e a manifestação pró-impeachment do
domingo 13 de março. Tal como a Marcha com Deus pela Liberdade, em 19 de
março de 1964, sacramentou a queda de João Goulart, a multidão (500 mil pessoas, segundo o Datafolha
) reunida, novamente em São Paulo, após meio século, determinou o fim
do ciclo lulista. A manchete da Folha, em duas linhas e toda em caixa
alta, feita para registrar evento maior, deixava clara a importância do
acontecido: "Ato anti-Dilma é o maior da história".
O que produziu a mudança entre o rotundo fracasso das manifestações de
dezembro de 2015 e o absoluto sucesso de março de 2016? Minha hipótese
reside na combinação entre três fatos produzidos pela Operação Lava Jato
e o quadro de emergência comunicacional criado ao redor deles: a prisão de Santana (23/2), a delação de Delcídio do Amaral (3/3) e a condução coercitiva de Lula (4/3).
O espaço me impede de detalhar aqui os nexos internos que ligam esses
acontecimentos e o tratamento dado a eles pelos meios de comunicação,
sobretudo os eletrônicos. De todo modo, historiadores ainda discutirão
muito a respeito. Fica aqui a percepção telegráfica de uma testemunha
interessada.
Texto de André Singer, na Folha de São Paulo.
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