segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

É preciso lutar contra o design anticonsumidor de sites

Há uma péssima tendência tomando conta da internet. Trata-se do uso do design para criar sites que confundem ou até mesmo enganam o consumidor a comprar produtos e serviços que não estavam planejados. Ou que dificultam o cancelamento ou a desistência de compras efetuadas.
Hoje, quem adquire uma passagem aérea pela rede enfrenta um labirinto de páginas e informações que, além da passagem original, tentam vender uma série de serviços adicionais, de seguros, a reserva de veículos ou hotéis. Até aí tudo bem. A questão é que as páginas são desenhadas para confundir. Se o consumidor seguir seu "instinto" ou o padrão de navegação que parece "natural", levará mais tempo ou comprará mais do que precisa.
O oposto acontece com relação ao cancelamento de serviços. Para cancelar uma passagem (ou emitir uma gratuitamente com milhas), é preciso passar por um procedimento em geral excruciante, cuidadosamente desenhado para gastar o tempo do usuário, aumentando as chances de que desista do processo.
A regra é "facilite a entrada e dificulte ao máximo a saída". Infelizmente esse padrão contaminou não só companhias aéreas mas também empresas de telefonia, TV a cabo, lojas virtuais, call centers, serviços e aplicativos em geral.
Um caso emblemático é o da companhia aérea irlandesa Ryanair. Em certo momento, sua página perguntava ao consumidor: "De que país você é?". Quando o usuário respondia, ele automaticamente adquiria um seguro-viagem. Para não comprar, ele teria de buscar na lista de países a frase: "Não quero comprar seguro-viagem".
Para ajudar a combater essa tendência, um grupo de designers criou o projeto DarkPatterrns.org ("Padrões Obscuros"). Nele, há uma compilação de casos reais de truques para enganar o consumidor.
Essa é uma nova e essencial área para as organizações que defendem os direitos de consumidores e usuários da internet. Esse tipo de design abusa do chamado "princípio bovino". Com pequenas "cercas" e caminhos traçados, é possível conduzir grandes rebanhos. Em outras palavras, tratam usuários como gado, levando-os a percursos irracionais e ineficientes. O tempo gasto, multiplicado pelo número de pessoas afetadas, resulta em enorme peso morto.
Isso também depõe contra o próprio design. Há cada vez mais grupos a instituições propondo a criação de um código de ética para designers, sugerindo que recusem esse tipo de projeto. Há também propostas para a criação de selos que certifiquem serviços que estão livres do design anticonsumidor.
Em uma sociedade cada vez mais complexa, o design é uma ferramenta essencial para repensar as instituições (já até escrevi que o design é o novo MBA). É preocupante que ele seja usado para atuar contra os princípios que orientam sua razão de ser. Grandes designers humanistas, como o casal Ray e Charles Eames, estariam desapontadíssimos.

Texto de Ronaldo Lemos, na Folha de São Paulo

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