Belém recebe mais fiéis para o Natal, mas perde moradores cristãos
DANIELA KRESCH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE BELÉM (CISJORDÂNIA)
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE BELÉM (CISJORDÂNIA)
A árvore de Natal de 15 metros de altura da Praça da Manjedoura, cravejada de luzes coloridas, faz a alegria dos milhares de peregrinos cristãos em Belém (Cisjordânia), onde, segundo a tradição cristã, Jesus nasceu.
Mas, ao contrário da maioria dos turistas que visitam a cidade todo mês de dezembro para ir a locais sagrados como a Igreja da Natividade, os cristãos da própria cidade sagrada formam, hoje, um rebanho cada vez menor.
A população cristã de Belém míngua por causa da baixa natalidade, do aumento de casamentos mistos e da emigração de famílias inteiras fugindo da tensão, de perseguições e da falta de oportunidades. Em 1948, os cristãos constituíam 85% da população de Belém e os muçulmanos, 15%. Em 2016, os porcentuais foram trocados: entre os 32 mil habitantes, apenas 15% são cristãos. Os outros 85% são muçulmanos, segundo estimativas extraoficiais (o próximo censo será realizado em 2017).
"O tempo está correndo contra nós. Em 20 anos, seremos tão poucos que precisarão buscar os cristãos com lanternas justamente aqui Belém, o berço do cristianismo", diz Samir Qumsieh, diretor da TV Al-Mahd, que estuda a situação dos cristãos na cidade há 40 anos.
Qumsieh conta que todos os seus quatro irmãos e dois de seus quatro filhos deixaram Belém para morar no exterior: "Meus filhos riem quando pergunto se vão voltar. Dizem que não têm o que fazer por aqui", diz o pesquisador. "Mas eu fico porque quero lutar para manter a população cristã na Terra Santa".
O professor de educação física Walid Al Shatleh, 53, está prestes a se tornar mais um número nessa estatística. Residente de Bait Jala (parte da província de Belém, que tem, ao todo, 200 mil habitantes), ele se prepara para emigrar para Austrália ou Canadá com a mulher e os três filhos. Ele aponta o conflito com Israel como principal motivo.
"Minha família tinha 2,5 hectares de terra, mas a maioria foi confiscada por Israel. Tenho que andar com a identidade no bolso para não ser detido por soldados. Quero um cotidiano melhor para minha família", diz o professor.
A prefeita de Belém, Vera Baboun, também é rápida em apontar Israel como fonte dos problemas. Para ela, o muro que Israel constrói em torno de Belém desde 2002 (ano auge da Segunda Intifada palestina, revolta violenta que deixou cerca de mil israelenses mortos em ataques terroristas entre 2000 e 2004) estrangulou a cidade, afugentando turistas e peregrinos e limitando o ir e vir dos moradores. Israel diz que o muro ajudou a acabar com os atentados.
"Há poucas oportunidades de negócios e por isso os palestinos optam por deixar a região. Belém tem a maior taxa de imigração interna dentro da Palestina. Nossa taxa de desemprego é 27%, a maior da Cisjordânia. A saída para os cristãos é independência e o acordo de paz", diz a prefeita.
Apesar desse cenário, o turismo em Belém melhorou em 2016. Esperam-se 120 mil turistas em dezembro, um aumento de 80% em comparação ao mesmo mês do ano passado (65 mil). O número se compara o auge do final dos anos 90, antes da Segunda Intifada.
Para o pesquisador Qumsieh, há outras razões para a fuga em massa dos cristãos de Belém. Ele aponta para a baixa de natalidade dos cristãos em comparação aos muçulmanos, mas, principalmente, a convivência nem sempre pacífica entre as religiões nos territórios palestinos.
Para o pesquisador Qumsieh, há outras razões para a fuga em massa dos cristãos de Belém. Ele aponta para a baixa de natalidade dos cristãos em comparação aos muçulmanos, mas, principalmente, a convivência nem sempre pacífica entre as religiões nos territórios palestinos.
"A ocupação israelense influencia negativamente, mas não podemos negar que temos muitos problemas internos", afirma o pesquisador, admitindo que muitos palestinos têm medo de revelar suas agruras. "Nem tudo o que se sabe pode ser dito. Teoricamente, somos tratados de igual para igual. Mas, na prática, é diferente. Muçulmanos, por exemplo, não vendem terras a cristãos sob pena de serem hostilizados em suas comunidades e muitas terras de cristãos são roubadas. Há uma máfia de terras aqui."
O pesquisador também aponta o aumento dos casamentos mistos entre jovens cristãos e muçulmanos como fator na diminuição de cristãos em Belém. Como nos territórios controlados pela Autoridade Palestina casamentos inter-religiosos ou civis não são permitidos, sempre um dos noivos precisa se converter. Em geral, são os cristãos que se convertem ao islamismo.
"Sentimos cada vez mais a influência do islã radical e nos sentimos pressionados. É só olhar como as meninas estão se cobrindo com véus nas ruas", diz o pesquisador.
Há notícias, também, de intimidações, perseguições a cristãos e vandalismo contra igrejas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, além de outros crimes contra os direitos humanos. Segundo o jornalista israelense Danny Rubinstein, do jornal Haaretz, a nacionalidade palestina se tornou, com o tempo, algo que tem a religião muçulmana como pilar. "A vida pública mudou totalmente e os cristãos se sentem presos num gueto cultural e religioso", acredita.
Em 1948, antes da criação do Estado de Israel, os cristãos eram 10% dos 1,8 milhão de moradores da então Palestina do Mandato Britânico (hoje Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza). Hoje, são meros 2% dos cerca de 14 milhões de moradores da região. Mas o fenômeno acontece por todo o Oriente Médio. Hoje, dos mais de 500 milhões de habitantes da região, cerca de 15 milhões são cristãos, algo em torno de 3%. O percentual era 20% há apenas cem anos.
O único lugar onde a população cristã cresce, atualmente, é Israel. Mesmo com os baixos níveis de natalidade: 1,3%, comparado a 1,8% dos judeus e 2,5%, dos muçulmanos. Hoje, há 161 mil cristãos em Israel, 2% a mais do que os 158 mil de 2012. Cerca de 80% dos cristãos de Israel são árabes. Os restantes 20% são imigrantes (legais ou ilegais) e trabalhadores estrangeiros de países como Rússia, Ucrânia, Filipinas, Tailândia, Eritreia e Etiópia.
"Em todo o Oriente Médio, os cristãos são atacados por todos. Só em Israel estão estáveis e a salvo", diz Samir Qumsieh. "É uma vergonha que um cristão palestino tenha que viver em Israel para se sentir seguro."
Reprodução da Folha de São Paulo.
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