Farei algo maravilhoso neste Natal: sumir. Não falarei com ninguém. Mentira, falarei com amada mamãe, mas será rápido e por ligação de longa distância. Se nessa vidinha você só tem quatro amigos suportáveis e dois parentes inevitáveis, por que, exatamente, cisma de amar metade da população nessa época do ano? A roupa quente do Papai Noel num calor de 40 graus é a metáfora perfeita da nossa sinceridade nesses dias.
Onde está escrito que, em meio ao trânsito insuportável pra ver enfeites, lojas abarrotadas de gente cansada e irritada, reuniões com olhos semicerrados que imploram "pelo amor de Deus acaba esse ano" e putaria louca na política nacional, você será capaz de amar (sendo que nunca nem gostou), incondicional e desenfreadamente, toda uma manada de humanos facilmente desprezados no resto dos meses?
Se você não suporta aquela tia invejosa da Brasilândia e aquela amiga de infância, engraçadíssima, que virou contadora, 364 dias por ano, por que acredita que será capaz de verdadeiramente se enternecer por esses desgraçados no Natal? Se a cunhada arrogante da Vila Nova e o primo que tatuou um palhaço metaleiro na batata da perna não têm nada a ver com você por toda uma existência, por que essa situação mudaria apenas porque é o período em que as famílias se juntam nas novelas?
Ah, mas deve ser o último Natal de bisa Zuleide. Então cancela a viagem, cancela a festa com os amigos, cancela a felicidade, cancela o sexo, a masturbação, o seriado sozinho e tranquilo em casa. Cancela sua vida toda e qualquer prazer possível para uma noite tão encantada. Você nunca tolerou mais de sete minutos ouvindo bisa Zuleide falar asneiras entrecortadas por muxoxos, você unha a palma da mão quando ela começa com seu discurso reaça, racista e muquirana, mas apenas porque bisa Zuleide está morrendo (mentira! Ela está morrendo há 12 anos! Essa é a desculpa que sua mãe dá pra unir aquelas 67 pessoas que você não suporta –e nem sua mãe suporta– numa sala sem ar condicionado e assentos suficientes) você vai se arrumar e encarar esse tormento chamado "forçar afeição por pessoas que cheiram empada e nem tem empada na festa".
Mas se você nunca se importou com a vida de bisa Zuleide, que preocupação é essa com a morte da velha? E daí que é o último Natal dessa mala que maltrata a empregada e o porteiro e negou amor ao seu avô que negou amor ao seu pai que até hoje é um cara meio esquisitão, o que deixa sua mãe um tanto infeliz e faz com que ela azucrine a sua vida? É tudo culpa dessa moribunda da bisa Zuleide. As crianças preferindo dengue a ter que beijar a face molenga e suada da bisa que tem buço e hálito azedo. E nem herança ela vai deixar. Faça um favor a você nesse Natal: mande a Zuleide, a sua enorme culpa católica, os 78 parentes que você gosta infinitamente menos do que da sua cachorra e aqueles 72% do Facebook que você deu "hide" à merda. PARE DE SE CULPAR, pare de procurar dentro de você a bondade, a generosidade, o espírito natalino. Não, você não é obrigado a gostar das pessoas apenas porque elas fazem arroz com passas e têm o seu tipo sanguíneo. Perseguir a bondade é a única crueldade real que podemos fazer com nós mesmos.
Você não é bonzinho e tudo bem. Sim! Tudo bem! Olha que libertador! Neste Natal eu te desejo menos culpa e muita maldade.
Texto de Tati Bernardi, na Folha de São Paulo.
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