segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Vitória de Trump mostra cegueira seletiva das instituições

A vitória de Donald Trump teve o aspecto positivo de revelar para muita gente que estamos vivendo dentro de uma gigantesca "bolha" informacional. Várias pessoas nas redes sociais -logo após a vitória do magnata- afirmavam indignadas no dia seguinte que não conheciam uma pessoa sequer que tenha votado nele.
O que ninguém imaginava era o tamanho da bolha. A bolha de distorção da realidade não é mais só um fenômeno das redes sociais. A vitória de Trump demonstrou que ela engloba instituições inteiras: a imprensa, as universidades, as organizações não governamentais.
Nenhuma foi capaz de enxergar as condições que levaram ao resultado da eleição. A bolha engloba até mesmo os mercados. Nem as Bolsas de Valores nem as de apostas foram capazes de sinalizar minimamente o que estava prestes a acontecer.
O símbolo mais impressionante disso é o gráfico que mostrava até as 23h do dia 8 —quando a apuração já havia se iniciado— que a "chance de vitória" de Hillary Clinton permanecia em 80%, ante menos de 20% de Trump. Em três horas, esse gráfico, que vinha se mantendo no mesmo patamar havia meses, inverteu-se completamente.
Identificar quem está na bolha é fácil. Todo o mundo que acordou em 9 de novembro de 2017 se dizendo "surpreso" com a vitória de Trump está nela. O mesmo vale para quem afirmou que o resultado foi "inesperado".
A constatação do tamanho colossal da bolha é um chamado para a necessidade de reinventar todas as instituições acometidas de cegueira seletiva, a começar pela imprensa, pelas redes sociais e pelos partidos políticos. Operar sem considerar a integral complexidade do mundo tornou-se irresponsável e perigoso.
Outros fracassos vieram à tona. Um deles foi o fiasco dos sistemas de "big data" (ciência dos dados) para fins políticos. Desde a primeira eleição de Obama houve um investimento maciço nesse tipo de tecnologia por parte do Partido Democrata.
A ponto de que suas mensagens políticas começaram a ser personalizadas para cada eleitor, dependendo de suas preferências individuais. Já Trump não usou nada disso. Preocupou-se em construir uma mensagem única, baseada em sentimentos universais simplórios, como o medo.
Ao mesmo tempo, escolheu o Twitter —com seu limite de 140 caracteres— como principal canal editorial da campanha. A imprensa caiu no jogo. Qualquer tuíte mais desbocado do magnata era amplificado à enésima potência por jornais, revistas e TV. Esse baile entre Twitter e a imprensa foi um dos fatores que mais contribuíram para a disseminação da plataforma Trump.
Diante dos fatos, fica clara a necessidade de o próprio sistema democrático se reinventar. Nos EUA já surgiu campanha para eliminar o modelo de Colégio Eleitoral, que permite que um candidato ganhe com menos votos que o derrotado, como nesta eleição. Tudo isso vale para o Brasil. Nossos desafios são similares. A bolha está também entre nós.


Texto de Ronaldo Lemos, na Folha de São Paulo

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