Querido leitor desta, cuja vida ainda tens por viver. Quem te escreve
traz uma vida a contar. O bom de nossas caminhadas humanas é que, em
determinado momento, elas nos fazem carregar duas malas pesadas. Uma de
acertos e vitórias, nem todas conscientes. Outra de erros e equívocos
que, precisamos admitir, alguns talvez tenham sido até necessários,
outros simplesmente abalizados por qualquer julgamento de instante. Ser
humano é assim. Ser imperfeito.
Há um momento, entretanto, em que paramos à beira de nossa própria
estrada, querendo ou não, e abrimos estas malas. Contemplamos o que dela
salta: nossos passos, nossos pesos. E, quase em defesa de nós mesmos,
pensamos no que pode ser deixado ali pelo caminho, antes de prosseguir.
Aí descobrimos que nada é descartável. Nem o que não gostamos. O que foi
feito está feito, está vivido e sentido, só resta transformar em
lições. A grande sacada de nossas vidas: a possibilidade de aprender. E
então ensinar.
Será sempre a primeira lição: ter cuidado. És único, sem
superpoderes. Mas ninguém te tolerará imperfeito, ainda que continue
humano. Terás poder sem ter poder algum, pois o que fizer ou cercear não
será em teu nome, mas em nome de um povo. Terás que pensar por ele.
Decidir e optar por ele. Matar ou morrer por ele. Quase sempre em
átimos, cacos de instante. E por teus atos serás sempre e até
severamente questionado por qualquer um que se sinta prejudicado ou
ofendido, ainda que tenhas agido pleno de razão e apuro. Nem sempre a
justiça dos homens é justa. E a divina te parecerá desatenta. No vão
destas, um desejo quase incontrolável de justiça pelas próprias mãos
arderá na alma inquieta. Eis o pior remédio.
Não te habitues à espera do elogio. Os beberrões amaldiçoarão tuas
providências, mas culparão tua ausência pelas mortes na estrada. Os
manifestantes jogarão pedras em ti, não nos governos que dizem combater.
O traficante será denunciado pela mesma sociedade que aprecia suas
drogas e as consome cada vez mais. Os que considerarão barbárie o ato do
assaltante, mudarão de alvo caso a tua indignação deixe escapar um
gesto a mais de raiva ao prendê-lo. E os que gritam contra a impunidade,
ah, estes serão os mesmos a negociar contigo, entre sussurros, as
multas de seu carro.
Só as crianças e as vítimas te olharão com algum sonho.
Outros, eleger-te-ão a imagem da injustiça. E a foto de quem bem
sabes que a semeia, todos os dias, ao teu redor e ao redor de todos,
feito uma serpente em seu bote, essa não te acompanhará. Levarás contigo
um amor alvejado de ódios. Serás continuamente heroico, invariavelmente
anônimo. Quase sempre invisível. Diariamente alvo.
E alguém te oferecerá vantagens. Lucro em tua própria ausência, ou
glórias efêmeras, medalhas ou posições sob exemplos distorcidos. E te
oferecerá valores que, talvez, quem deveria te dar já esqueceu.
Aí, verás se tua dignidade tem preço. Pois também há um preço no sustentar de tua família.
O que sai mais caro?
No compromisso que juraste, saberás quem paga a conta e quais são os
caminhos de luta. Terás a chance da escolha. Pense no corpo que adoece e
se entrega, ou resiste à chaga. Pois há alguém que leva teu amor, perto
ou longe de ti, e este alguém está sob os cuidados de um colega teu.
Que vive os mesmos dilemas. E que também fez as suas escolhas.
Ser policial é sacerdócio. Luta constante, quase injusta. Vocação. E
jamais esqueça que há muitos sonhos de paz em jogo. Não ignores o teu
coração logo agora.
Texto de Oscar Bessi, em seu blog, no Correio do Povo.
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